São Paulo, sábado, 05 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RITA SIZA

O poder do futebol


Enquanto Obama elogia os sapatos de sua seleção, a África mostra que não precisa deles para jogar


AQUI NOS EUA, como em quase todos os países que participam da Copa, a seleção de futebol foi recebida pelo presidente para uma foto oficial e desejos de boa sorte antes da ida para a África. Fazer piada sobre a ignorância e o desinteresse dos americanos com o jogo de bola que eles chamam de "soccer" é óbvio. Por isso, decidi me concentrar na fotografia.
Lá estão, com ar feliz, todos os jogadores e a equipa técnica. No centro, em lugar de destaque, o presidente Barack Obama posa com seu habitual sorriso aberto. O vice-presidente, Joe Biden, e o antigo presidente Bill Clinton também estão no retrato.
A mídia não prestou muita atenção à visita do time à Casa Branca. Os jornalistas falaram mais da boa impressão que o calçado dos jogadores causou do que da jornada que espera a seleção americana -o primeiro jogo é contra a Inglaterra, informaram.
"Esses sapatos são muito legais! Melhores que os meus", disse Bill Clinton, comparando os novíssimos calçados caramelo que compõem o uniforme oficial com seus sapatos pretos de cordão, já um pouco desbotados. "Verdade. São muito elegantes. Esta é a equipe de futebol mais bem vestida que eu já vi", concordou Obama.
Por coincidência, nesse mesmo dia vi um outro ensaio fotográfico relacionado ao Campeonato Mundial da África do Sul.
É da artista belga Jessica Hilltout, que viajou durante nove meses pela África para registrar a devoção que os africanos dedicam ao futebol. Como ela diz, lá o futebol não é exatamente uma religião, "mas é tudo o que uma religião deveria ser".
Nas fotos de Jessica, raramente aparecem homens calçados. Elas mostram como, em lugares de extrema pobreza, a falta de tudo não impede jovens e adultos de jogar futebol, com sapatos "artesanais", feitos de sacos plásticos, trapos ou meias.
Nas aldeias por onde Jessica passou, ninguém deixa de jogar por não ter sapatos. "A energia que retiram do jogo é incrível. Acho que sem o futebol os africanos seriam muito mais infelizes", disse ela.
Depois, ouvi no rádio dois jovens alunos de um liceu da Costa do Marfim explicarem qual era, para eles, o poder do futebol: "A política para, tudo para". O futebol, diziam eles, é a fartura em vez da miséria, a saúde, e não a doença, a paz em tempos de guerra, a alegria em lugar da angústia. "É o futebol que nos dá esperança e nos permite sonhar."
Se isso não é divino, anda lá muito perto.

P.S.
Vitória convincente de Portugal no jogo preparatório contra Camarões. Fiquei animada: a seleção do meu país vai surpreender na África do Sul!


Texto Anterior: Mandela deve ser "desfalque" na Copa
Próximo Texto: Kaká encara polêmicas tranquilo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.