São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

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"Sargentão" testa apoio luso

Enquanto jornais exaltam Scolari, povo português ainda desconfia das chances de seleção ir à final

Menos de 50% da torcida acredita que time passe da semifinal, aponta pesquisa; mídia usa seleção como um exemplo de perseverança


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

O politólogo Nuno Rogério diz, no número mais recente da revista "Sábado", que o melhor lema para Portugal no momento seria "Felipão pôs feijão no prato do povão".
Rima pobre à parte, o fato é que Luiz Felipe Scolari, também tratado como "Sargentão", introduziu Portugal no mundo dos sonhos, o que não é necessariamente feijão, mas foge um pouco da idiossincrasia dos portugueses, "muitas vezes atreitos [propensos] aos vencidos da vida, ao pessimismo", como diz Marcelo Rebelo de Souza, ex-primeiro-ministro, político conservador, acadêmico, jornalista, agora comentarista de TV e colunista na Copa do jornal esportivo "A Bola".
Mas o feijão e o sonho, por enquanto, são coisas muito mais da mídia do que da rua. Na véspera do jogo com a França, que poderá colocar Portugal numa final de Copa pela primeira vez na história, a idiossincrasia ainda fala mais alto.
"Os jogadores é que estão com isso de já ganhou. É prejudicial, pode trabalhar a favor do adversário, como os brasileiros comprovaram contra a França", acautela-se Wilson Figueiredo, responsável pela locação de veículos no posto do Hotel Tivoli Jardim, na região central de Lisboa.
As pesquisas comprovam que o entusiasmo nas páginas de jornal e na televisão é muito mais matizado, embora crescente. Em maio, antes portanto de a Copa do Mundo começar, apenas 36,8% dos portugueses acreditavam que a seleção chegaria às meias-finais, como eles chamam as semifinais. Agora, a uma partida da final, 46,7% acreditam que Portugal estará na decisão -assim mesmo, menos da metade. Campeão, então, só um de cada três acredita (ou, exatamente, 35,8%), conforme pesquisa da Aximage.
Essa tímida confiança reflete-se nas conversas. No metrô, por exemplo, fala-se muito de futebol, mas, como diz Marcos Paulo do Nascimento, estudante de direito, "só um pouco mais do que se falaria às vésperas de um Benfica x Porto" (o grande clássico português).
No Shopping das Amoreiras, o mais velho de Lisboa, não se forma uma só rodinha para uma discussão entusiasmada sobre a Copa. Mais animado, paradoxalmente, é o brasileiro Márcio Arruda, churrasqueiro do rodízio "Chimarrão":
"Torço por Portugal desde o início. O Brasil já tem Copas demais e pode esperar. Gosto muito de Portugal", diz Márcio, três anos na cidade, enquanto assa a picanha, parte do rodízio a 6,50 (cerca de R$ 18).
Nos jornais, ao contrário, a seleção é multiuso. Serve para vender o conceito de perseverança, do que dá prova a capa de "Sábado": "Acreditar para ter sucesso". Usa o exemplo do volante Maniche, o jogador que classificou Portugal para as quartas-de-final, com o gol contra a Holanda. Maniche foi dispensado pelo Benfica, ficou um ano sem treinar, mas agora "é a estrela que levou a seleção aos quartos-de-final".
Ao lado de Maniche, Fernanda Fernandes, que teve as pernas esmagadas em um desastre, mas voltou a andar, como se fossem coisas realmente comparáveis.
Serve também para vender unidade nacional, conceito que cada um usa como quer. José Manuel Barroso, colunista do "Diário de Notícias", escreve um "Obrigado, Felipão", por ter unido "Portugal -mesmo se de futebol se trata- de um jeito em que muitos de nós deveríamos meditar".
De que jeito? "Traçou metas, que perseguiu com determinação; escolheu, entre os melhores, aqueles que tinham qualidade e vontade de vencer; criou um espírito de corpo e firmou a ambição da força do colectivo; foi imune às pressões externas e aos interesses particulares; e à força conseguida do grupo somou a sua qualidade profissional e a sua enorme experiência", diz o colunista.
Detalhe relevante: a coluna foi publicada junto ao noticiário político, não no caderno de Copa do Mundo que o "DN" edita diariamente.
Só faltou lançar a candidatura de Felipão à Presidência.
Mas, em meio ao endeusamento do treinador, uma frase do mesmo Nuno Rogério, o politólogo que diz que o técnico brasileiro "pôs feijão no prato do povão", adverte: "Para ele [povão], Felipão só é Deus enquanto houver feijão". É o que se saberá hoje à noite.


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