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"Sargentão" testa apoio luso
Enquanto jornais exaltam Scolari, povo português ainda desconfia das chances de seleção ir à final
Menos de 50% da torcida acredita que time passe da semifinal, aponta pesquisa;
mídia usa seleção como um exemplo de perseverança
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
O politólogo Nuno Rogério
diz, no número mais recente da
revista "Sábado", que o melhor
lema para Portugal no momento seria "Felipão pôs feijão no
prato do povão".
Rima pobre à parte, o fato é
que Luiz Felipe Scolari, também tratado como "Sargentão",
introduziu Portugal no mundo
dos sonhos, o que não é necessariamente feijão, mas foge um
pouco da idiossincrasia dos
portugueses, "muitas vezes
atreitos [propensos] aos vencidos da vida, ao pessimismo",
como diz Marcelo Rebelo de
Souza, ex-primeiro-ministro,
político conservador, acadêmico, jornalista, agora comentarista de TV e colunista na Copa
do jornal esportivo "A Bola".
Mas o feijão e o sonho, por
enquanto, são coisas muito
mais da mídia do que da rua. Na
véspera do jogo com a França,
que poderá colocar Portugal
numa final de Copa pela primeira vez na história, a idiossincrasia ainda fala mais alto.
"Os jogadores é que estão
com isso de já ganhou. É prejudicial, pode trabalhar a favor do
adversário, como os brasileiros
comprovaram contra a França", acautela-se Wilson Figueiredo, responsável pela locação
de veículos no posto do Hotel
Tivoli Jardim, na região central
de Lisboa.
As pesquisas comprovam
que o entusiasmo nas páginas
de jornal e na televisão é muito
mais matizado, embora crescente. Em maio, antes portanto
de a Copa do Mundo começar,
apenas 36,8% dos portugueses
acreditavam que a seleção chegaria às meias-finais, como eles
chamam as semifinais. Agora, a
uma partida da final, 46,7%
acreditam que Portugal estará
na decisão -assim mesmo, menos da metade. Campeão, então, só um de cada três acredita
(ou, exatamente, 35,8%), conforme pesquisa da Aximage.
Essa tímida confiança reflete-se nas conversas. No metrô,
por exemplo, fala-se muito de
futebol, mas, como diz Marcos
Paulo do Nascimento, estudante de direito, "só um pouco
mais do que se falaria às vésperas de um Benfica x Porto" (o
grande clássico português).
No Shopping das Amoreiras,
o mais velho de Lisboa, não se
forma uma só rodinha para
uma discussão entusiasmada
sobre a Copa. Mais animado,
paradoxalmente, é o brasileiro
Márcio Arruda, churrasqueiro
do rodízio "Chimarrão":
"Torço por Portugal desde o
início. O Brasil já tem Copas demais e pode esperar. Gosto
muito de Portugal", diz Márcio,
três anos na cidade, enquanto
assa a picanha, parte do rodízio
a 6,50 (cerca de R$ 18).
Nos jornais, ao contrário, a
seleção é multiuso. Serve para
vender o conceito de perseverança, do que dá prova a capa
de "Sábado": "Acreditar para
ter sucesso". Usa o exemplo do
volante Maniche, o jogador que
classificou Portugal para as
quartas-de-final, com o gol
contra a Holanda. Maniche foi
dispensado pelo Benfica, ficou
um ano sem treinar, mas agora
"é a estrela que levou a seleção
aos quartos-de-final".
Ao lado de Maniche, Fernanda Fernandes, que teve as pernas esmagadas em um desastre, mas voltou a andar, como
se fossem coisas realmente
comparáveis.
Serve também para vender
unidade nacional, conceito que
cada um usa como quer. José
Manuel Barroso, colunista do
"Diário de Notícias", escreve
um "Obrigado, Felipão", por
ter unido "Portugal -mesmo
se de futebol se trata- de um
jeito em que muitos de nós deveríamos meditar".
De que jeito? "Traçou metas,
que perseguiu com determinação; escolheu, entre os melhores, aqueles que tinham qualidade e vontade de vencer; criou
um espírito de corpo e firmou a
ambição da força do colectivo;
foi imune às pressões externas
e aos interesses particulares; e
à força conseguida do grupo somou a sua qualidade profissional e a sua enorme experiência", diz o colunista.
Detalhe relevante: a coluna
foi publicada junto ao noticiário político, não no caderno de
Copa do Mundo que o "DN"
edita diariamente.
Só faltou lançar a candidatura de Felipão à Presidência.
Mas, em meio ao endeusamento do treinador, uma frase
do mesmo Nuno Rogério, o politólogo que diz que o técnico
brasileiro "pôs feijão no prato
do povão", adverte: "Para ele
[povão], Felipão só é Deus enquanto houver feijão". É o que
se saberá hoje à noite.
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