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Clóvis Rossi
O talento e a ironia
QUEM falou que não
há mais lugar para o
brilho e o talento individual no futebol moderno, mais físico que técnico?
Alemanha e Itália correram uma barbaridade nos
120 minutos de jogo, mas a
decisão se deu em duas esplêndidas combinações
das duplas Pirlo/Grosso
(passe e chute, no primeiro
gol) e Gilardino/Del Piero
(idem, idem, no segundo).
Aliás, o jogo poderia ter
sido decidido até antes, logo no primeiro minuto da
prorrogação, quando Gilardino (ele de novo) fez
bela manobra e chutou na
trave, para não mencionar
outro arremate no travessão, sempre da Itália.
Dito isso, é forçoso insistir em que o método de resolver disputas em Copa do
Mundo precisa ser revisto.
A Itália, melhor que a Alemanha na maior parte do
jogo, só não teve que ir aos
pênaltis por uma questão
de três minutos. Poderia,
portanto, ser eliminada na
loteria sem merecer.
O paradoxal na partida
de ontem é que a correria
desenfreada de parte a parte não tornou feio o jogo, ao
contrário do que ocorre habitualmente. Deu-se, em
boa parte do tempo, o que
os locutores chamam de
"ligação direta", ou seja, a
bola passa da defesa para o
ataque sem intermediação
do meio-campo, teoricamente os organizadores.
Mas a ligação direta, ao
menos ontem, não era por
meio do chutão para a frente, mas por passes longos,
bola rolando junto da grama, como deve ser.
É óbvio que é mais fácil
errar passe longo que na
rotação da bola em movimentos mais curtos. Em
compensação, a dinâmica
do jogo é elétrica, um dá-cá-toma-lá permanente
que mantém o público com
a atenção concentrada porque a qualquer momento
pode surgir o gol.
Nesse tipo de partida, a
decisão ocorre ou por melhor preparo físico ou por
erro do adversário ou por
uma centelha individual.
Foi o que aconteceu ontem: a Itália teve não uma,
mas duas centelhas e fez 2 a
0. Merecia até mais.
O desagradável nessa
história é a possibilidade de
que o escândalo de manipulação de resultados jogue para as divisões inferiores o Milan e a Juventus,
os dois maiores clubes italianos. Torcedor alimenta-se de Copa apenas a cada
quatro anos. No intervalo,
vive do que faz seu clube
preferido e do que não faz o
inimigo. Seria cruel ironia
um campeão do mundo
com jogadores de segunda
ou terceira divisão.
crossi@uol.com.br
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