São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008

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Made in Brasil

Para todos os gostos

Da alta gastronomia a churrascarias em que garçons chineses servem vestidos de gaúchos, culinária brasileira atrai locais e estrangeiros em Pequim, em um mercado que não pára de crescer

EDGARD ALVES
EDUARDO OHATA

ENVIADOS ESPECIAIS A PEQUIM

Paraíba, Ceará e Severino comandam as panelas e utensílios do melhor restaurante de cozinha internacional de Pequim.
Oriundos de cidades nordestinas tão pequenas que ""nem aparecem no mapa", segundo eles mesmos, os três, hoje baseados na China, são o propulsor do badalado Alameda.
A brasilidade, porém, não se restringe à cozinha. Ela invadiu o cardápio do restaurante, criado em 2004. Da feijoada light, aos sábados, a entradas como pão de queijo e pratos como moqueca de camarão, acabaram se tornando populares para um público que, do Brasil, conhecia apenas a caipirinha.
Por isso mesmo a clientela não é formada só de brasileiros, mas também de outros estrangeiros e chineses bem-sucedidos (e mais ocidentalizados), que buscam pratos contemporâneos e um serviço atencioso raro em restaurantes chineses.
Lá são elaborados sofisticados pratos que exigem queijo de cabra importado da França, macarrão italiano, peixes trazidos da Nova Zelândia ou o azeite de dendê do Brasil. Mas os ingredientes têm de passar por um rigoroso crivo.
""Se o peixe estiver com o olho feio, a garganta [guelra] ruim, nós devolvemos", aponta Valdemir Augusto de Sousa, o Paraíba, chef do restaurante e natural da cidade de Cajazeiras, que lembra o início na cozinha.
""Foi totalmente por acaso. Era funcionário de uma quitanda e, quando ela fechou, pedi para os donos de um restaurante nosso cliente para ir trabalhar para eles. Comecei no bar e ainda lavava louça, passava rodo. Gostaram de mim, que logo fui para a cozinha", diz.
""No Brasil, não há oportunidade de trabalho para alguém de minha idade", argumenta Severino Sebastião de Araújo, 52, subchefe de cozinha do Alameda e conterrâneo de Paraíba, mas oriundo de Itabaiana.
""No Nordeste, não pega bem homem cozinhar, é coisa de veado, bicha, travesti... Lá, as mulheres falam que lugar de homem é na sala. Mas hoje estou na China, morando num lugar classe A", diz Severino, que, além de hóspedes de hotéis como o Maksoud Plaza, brindou com a sua culinária clientes do restaurante Bom Giovani, no centro velho de São Paulo.
Outro que não teve chance de treinar a habilidade culinária na cidade natal, porém por outro motivo, é Vilmar Costa e Silva, o Ceará, natural de Cariré, e outro subchefe do Alameda.
""Minha cidade não tinha restaurante, no máximo um café na rodoviária... Hoje já não sei mais como está", aponta ele.
A culinária brasileira na China, no entanto, não fica só na feijoada. O churrasco também tem espaço no país que é conhecido por iguarias como cavalos marinhos, grilos e escorpiões fritos. Além do prazer gastronômico, algumas casas procuram oferecer a experiência de estar em um rodízio, como a cadeia Latin Grillhouse, que acaba de inaugurar em Pequim seu sétimo restaurante.
Os garçons trabalham caracterizados de gaúchos. Está tudo lá: o chapéu, as calças pretas, o lenço vermelho, as botas...
Mas o mais engraçado é que quem as veste são garçons chineses, dando ao cliente a impressão de estar no filme ""Bater ou Correr", no qual o ator Jackie Chan é um chinês que viaja para o Velho Oeste.
""Queremos passar um pouco o clima de estar no Brasil. Os garçons sabem falar o nome das carnes em português, nossos chefes de carnes são brasileiros, temos MPB ao vivo e importamos do Brasil nosso cupim, a carne mais popular entre nossos clientes chineses", fala João Carlos, diretor da rede.
Seu objetivo para o futuro é ampliar a rede, dos atuais sete, para 30 rodízios na China.
Gaby Alves também colhe frutos explorando a culinária brasileira em Pequim. Ex-sócia do Alameda e dona de cinco prêmios como empresária do ""melhor restaurante internacional da cidade", criou em 2007 o Salt, que se tornou obrigatório nos roteiros de alta gastronomia da capital chinesa.
A paulista virou referência nas publicações gastronômicas em Pequim. É personalidade no setor. Além do restaurante, trafega na área de eventos para empresas como Volkswagen, Chrysler e BMW, entre outras.
""O serviço e os alimentos frescos de qualidade são os pontos fortes, desde frutas a legumes. É comida suave, voltada para uma linha saudável", argumenta Gaby, que se comunica com descontração em chinês mas só contrata funcionários que dominem o inglês. ""Minha clientela é leal. Mudei de casa e ela continua assídua."
Ambos os locais estão em áreas boêmias da cidade -o Alameda em Sanlitun, o Salt no Lido- e têm aparência clean, com decoração minimalista. Nada dos vermelhos e dourados dos congêneres chineses. O preço não é típico de refeitório chinês -as refeições podem passar dos 200 yuans (R$ 50), caro para os padrões locais.
Agora, durante a Olimpíada, o Salt funcionará até às segundas-feiras, dia que é reservado à folga em outros períodos. São pacotes especiais para grupos de até oito pessoas. Lógico, o preço sobe, variando de US$ 70 a US$ 140 por cabeça.
Gaby, entretanto, alerta que fazer negócio na China não é tão suave como parece. ""É necessário ter muita paciência. Os chineses parecem tê-la, mas não é bem assim. Você é quem precisa ter", ensina.


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