São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O sol não nasceu para todos



Areia frustra sonho olímpico "anfíbio" e leva ex-ídolos do vôlei brasileiro a anunciar, ou pelo menos a considerar, o retorno aos ginásios
JOSÉ ALAN DIAS
da Reportagem Local

Para quatro estrelas nacionais, Carlão, Tande, Giovane e Ana Paula, a representação mais próxima do inferno na Terra é uma quadra demarcada em areia.
Medalhistas olímpicos, escolheram trocar o vôlei indoor pela versão praieira. Os que ainda relutam em demonstrar arrependimento e não retornaram -seguindo o que fez Carlão- já pensam no caminho dos ginásios.
Ouro em Barcelona-92, Tande, 29, e Giovane, 28, penam há dois anos para pegar os macetes de jogar contra ou a favor do vento. Para se deslocar na quadra, sob sol nordestino ou debaixo de chuva. Para se acostumar com a rotina de enfrentar duas, três duplas em qualificatórias por não ter ranking para entrar direto na chave principal de um torneio.
Companheiro de medalha, titular por 14 anos da seleção e capitão por 10 anos, Carlão, 34, debandou para a areia em julho de 1998, para se juntar a Paulo Emílio. Perdeu partidas para ""zé manés", como ele próprio define, desistiu de outras por cãibras, tentou ser mecenas. Em 11 meses, capitulou.
Mais dois meses estava de volta ao ginásio de um clube, o Minas. Nesta semana, voltou a ser titular da seleção de vôlei.
Terminado o Mundial do Japão, em novembro, a então meio-de-rede Ana Paula, hoje com 27 anos, vice-campeã mundial em 1994 e bronze em Atlanta-96, se retirou da seleção feminina. Em fevereiro deste ano, anunciava a dupla com a campeã olímpica Jackie Silva.
Quando da incursão na areia, os quatro justificaram-se da mesma forma: fartos do binômio clube-seleção, abriam mão da ida certa a mais uma Olimpíada na quadra. Sydney continuava uma meta, mas na nova modalidade.
Antes da estréia, Tande e Giovane estagiaram em torneios de exibição e "desafios". Fizeram o primeiro jogo oficial (venceram) no Rio, em novembro de 1997, em etapa do circuito nacional. Uma semana depois, como convidados, jogaram no circuito mundial, no Ceará: ficaram em 13º.
Sem a concorrência das duplas mais fortes, que priorizaram o circuito mundial e o dos EUA, levaram o fantasioso título nacional de 1998, vencendo 6 de 12 etapas.
O mesmo não aconteceu nas etapas da FIVB (Federação Internacional de Vôlei), essas, sim, que valem o ingresso para os Jogos-2000.
Desde a etapa cearense até hoje passaram por 21. O primeiro pódio (terceiro lugar) só chegou em junho, na Espanha.
Performances fracas e o fim dos convites, os obrigam a passar pelo funil das eliminatórias. Enquanto isso, três duplas rivais, uma praticamente classificada, estão disparadas na corrida por duas vagas olímpicas (leia abaixo).
""Sabíamos que ia ser difícil desde o começo. Hoje, admito que não conseguimos praticamente resultado nenhum", resigna-se Giovane. ""Enquanto houver possibilidade (de ir à Olimpíada) vou jogar. Depois, a gente senta e vê o que faz da vida."
O ""depois" vem sendo negociado -pela dupla, Confederação Brasileira de Vôlei, comissão técnica e patrocinadores. Tudo para que voltem à seleção indoor.
Criticado depois do vexame em Atlanta-96, um ano depois Giovane deixava o vôlei ""por cima", conduzindo o Report na conquista do título paulista. Tande, o parceiro, é considerado o mais completo jogador do Brasil desde Renan, ídolo da geração de prata.
Por que não dão certo?
""É um outro jogo. Tem vento, sol, areia, fatores aos quais não estávamos acostumados", diz Giovane, que, como o companheiro, joga e treina coberto de protetores solares fator 50.
""O desgaste é muito grande, aquela lua (gíria para calor forte). Aí joga, joga e perde para um cara que é nitidamente inferior, mas tem mais tarimba", lamenta Carlão, cujo ex-parceiro, Paulo Emílio, foi campeão brasileiro na praia em 1991. Dois quintos lugares foram os melhores resultados de Carlão no Brasil.
""É preciso tempo para se acostumar a enfrentar duplas fortes do exterior", diz Guilherme, que, em parceria com Pará, ocupa o terceiro lugar do ranking mundial.
Apesar dos resultados pouco expressivos, do risco de ter arranhado o prestígio, de aventureira a jornada teve muito pouco.
Para a praia, além das tietes -que antes, mesmo com entrada gratuita no Brasil, enchiam as arquibancadas somente nas fases decisivas -, os ""olímpicos" levaram muito profissionalismo.
Tande e Giovane têm um staff com sete membros: técnico, assistente técnico, fisioterapeuta e até duas pessoas encarregadas de montar a quadra de treinos no Rio. Jogos da dupla e dos rivais são filmados e editados.
""Não é frescura, não. Se não fizéssemos isso, não chegávamos ao título brasileiro", diz Tande, que embolsa de dois patrocinadores (Fiat e Nestlé) cerca de R$ 40 mil por mês. Ele e o parceiro hoje administram detalhes como reserva de passagens e hotéis e pagamento dos assessores.
A estrutura dos dois, de Ana Paula e Jackie ou a que Carlão tinha, é comparável à dos tops, como Shelda e Adriana Behar, bicampeãs mundiais, Emanuel e Loyola e Guilherme e Pará.
Carlão ""patrocinou" por algumas meses uma dupla novata, bancando viagens e hospedagens.
Hoje, três quilos mais magro do que antes da ida para a praia, lembra de pelo menos um grande apuro. Em Recife, ano passado, precisou abandonar um jogo, com cãibras e desidratado.
Exames revelaram que um distúrbio o impedia de armazenar sal -elemento que ajuda a reter líquidos no organismo.
O retorno à quadra, para sossego da mulher, Gilda, que assistiu um único jogo seu na areia, foi precipitado por um lance de ""esperteza".
Acostumado a faturar com jogos de exibição -pelo menos dois por mês-, acompanhado de Paulo Emílio, Tande e Giovane, Carlão aceitou o convite de um príncipe para se apresentar numa festa nos Emirados Árabes.
O evento coincidia com um torneio do circuito nacional ao qual, por contrato, pois seu patrocinador era o Banco do Brasil, ele deveria comparecer. Sem patrocínio e com uma proposta do Minas, topou voltar às origens.
O retorno menos provável, por enquanto, é o de Ana Paula.
Nesses sete meses da modalidade, jogou seis vezes no circuito mundial -obteve um pódio.
Embora sejam remotas as chances do passaporte olímpico, pelo menos não repete o fracasso de Ida, que em 1996 abandonou o sucesso da quadra pela praia e que em um ano estava de volta. ""A praia hoje é definitiva. No futuro, não sei. Não aguentava mais o esquema de seleção e de clube", diz.


Texto Anterior: Pódio é desafio aos brasileiros
Próximo Texto: Especialistas irão a Sydney
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.