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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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FUTEBOL

Não basta ter sido craque

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Em todo o mundo, aumenta progressivamente o número de ex-atletas que trabalham nas funções de treinador e de coordenador (gerente, diretor técnico ou outro nome). Ótimo! É a tendência natural.
O passado de atleta facilita, mas não é suficiente para exercer bem uma nova função. É preciso ter outras qualidades e conhecimentos que vão além dos gramados. A condição básica é ter humildade e consciência de que não basta ter sido craque.
A experiência não passa de uma função a outra. "A experiência é como um farol aceso iluminando para trás." (Pedro Nava)
Todo ex-atleta que inicia a carreira de técnico ou diretor técnico é inexperiente.
A experiência é também relativa. Conheci no futebol e na medicina, e percebo em todas as atividades, que vários dos profissionais ditos experientes, por causa do tempo, cometem sempre os mesmos erros e não aprendem.
A maioria dos atletas se preocupa muito mais com o desempenho individual do que com o coletivo, os detalhes táticos e o trabalho da comissão técnica. São intuitivos. Brilham sem saber por quê. São geralmente os melhores.
É impossível prever se um atleta vai ser um ótimo treinador ou diretor técnico. Todo profissional deve ser avaliado após médio prazo. Há dezenas de fatores envolvidos no resultado de um jogo e na conquista de um título.
Já querem rotular o Júnior de técnico que não deu certo por não ter conquistado títulos nas suas duas passagens pelo Flamengo. Não é justo. Júnior está no início de sua carreira. Saberemos o seu valor na função de treinador nos próximos anos.
Um técnico que inicia a carreira, independentemente se foi craque ou não, deveria trabalhar inicialmente de auxiliar de um ótimo treinador ou nas categorias de base e se preparar teoricamente para o cargo. Não me refiro a ter um diploma. É fácil conseguir um. Mas, em qualquer atividade, há exceções, os bem dotados, que não precisam passar por etapas e logo se destacam.
Fala-se muito na identificação de um ídolo com o seu clube. Seria mais fácil para ele desempenhar outra atividade. Será? Júnior poderá ser um excelente técnico no Corinthians, Flamengo ou em outro clube. Não faz diferença.
Acho até que não é boa a associação entre o passado e o presente. Poderia haver constrangimentos e exageradas trocas de gentilezas, pouco profissionais. O fator positivo seria que as vaias e os xingamentos de burro demorariam para acontecer.
Dizem ainda que o ex-atleta que se tornou técnico fala a linguagem dos jogadores. Isso é pouco importante. Ele carrega também vícios. Quem não foi atleta profissional pode ser ótimo treinador, desde que tenha virtudes e conhecimentos, como Parreira.
Luxemburgo e Leão disseram que, no futuro, serão gerentes de futebol. Eles e os outros bons treinadores têm mais chances de se darem bem nessa atividade. É a continuação de suas carreiras. Porém alguns ex-atletas têm mais o perfil de diretor técnico do que de treinador. Seria o caso do Rivellino, um dos maiores jogadores da história do futebol mundial?
Fora Felipão, Parreira, Luxemburgo e Leão, os quatro melhores técnicos brasileiros, há muitos treinadores bons no Brasil, mas comuns. Há pouca diferença entre eles. Por isso, é melhor o clube investir num único técnico durante longo tempo do que ficar trocando. Nessa avaliação, não entram os ex-atletas que não estrearam nem os que tiveram pouca experiência, como Júnior.
Mas, entre escolher um treinador conhecido (sem muito brilho, que já atingiu seu limite) e uma promessa, obviamente, escolheria o novo, como fez o Corinthians.
Perguntam-me muito se serei técnico ou coordenador. Não sei se daria certo. Já recebi algumas propostas e recusei. Adoro escrever, brincar com as palavras. Lamentei apenas não ter aceitado o convite da CBF para ser o coordenador da seleção antes da Copa de 2002, após a saída do Leão.
Fiquei fascinado, eufórico com a chance de trabalhar na seleção, mas recusei, principalmente, porque me sentiria incomodado em ocupar um cargo de confiança do presidente da CBF, que eu criticara e que estava sendo investigado pelas CPIs. Não aceitaria também ser uma figura decorativa, como foi o Antônio Lopes.
Lamentei, mas não me arrependi. Recusaria novamente. Para manter a coerência e não vender a alma, perdemos algumas vezes boas chances na vida.

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