São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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FUTEBOL

Quem é que vai pagar por isso?

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Parece sem sentido a discussão sobre o que seria mais importante: descobrir eventuais culpas pela morte de Serginho ou estabelecer programas de primeiros socorros nos estádios e de prevenção de doenças coronarianas nos atletas. A velha sacada daquele alemão pioneiro -Hegel, não Marx- ensina: "A questão é dialética".
Ou seja: uma investigação indigna do nome não vai incentivar a mudança nos procedimentos médicos. Assim como a apuração escrupulosa sobre o que se passou com o zagueiro pode contribuir para que se tomem as medidas de precaução que a compostura recomenda. No popular: as coisas se misturam.
Há posturas a destacar. Positivas: a decisão do Incor de não divulgar sem autorização o resultado dos exames de Serginho; e a dos médicos do São Paulo de falar pacientemente sobre o atendimento no Morumbi, mesmo bombardeados por quem não difere uma gaze de um "band-aid".
Negativas: a afirmação inicial do presidente do São Caetano de que não havia problema cardíaco (havia, e dele Serginho morreu); o veto a que atletas se manifestassem; o sumiço do médico do clube, Paulo Forte, e sua versão posterior de que o Incor não informara sobre a gravidade do caso.
Como revelou o repórter Fábio Victor, o ortopedista e o jogador foram avisados de que "a situação clínica era incompatível com a atividade profissional".
O mero diagnóstico de arritmia talvez exigisse outro comportamento. O Atlético-PR tem um atacante cardiopata. O clube leva sempre equipamento específico de emergência perto dele, inclusive no campo (o São Caetano não levava). Promove baterias bimestrais de testes (os últimos de Serginho tinham quatro meses). Dois médicos assinam a autorização de jogo, assumem a responsabilidade. A única obrigação de Washington é cumprir a prescrição dos doutores.
E o papel de Serginho? Ninguém pode ser obrigado a parar de beber ou de se drogar. Mesmo que esses hábitos levem à morte.
Um hospital, contudo, tem o dever de impedir que um alcoólatra ingira álcool por conta própria e que um dependente químico consuma os remédios que bem entender. Se não controlar os pacientes, pode ser condenado por negligência.
Um funcionário de usina nuclear se submeter por sua vontade a níveis excessivos de radiação, por inexistência de outro emprego, poderia ser assunto do funcionário. Mas a usina não tem o direito de expor o trabalhador a tal risco.
Uma coisa é o atleta se dispor a arriscar a vida em troca de um pé-de-meia mais gordo antes de pendurar as chuteiras. Outra é o clube se associar a essa aventura. Uma coisa é a insegurança humana com o futuro. Outra, o desprezo pela vida alheia. Aqui, as coisas não se misturam. Não custa sublinhar: ainda se desconhece qual foi ao certo a atitude do São Caetano. Em qualquer hipótese, a opção de Serginho não é álibi para ninguém.

4 a 2
O abalo do São Caetano pesou para a vitória são-paulina, em meia hora. Mas é impossível não pensar: como o futebol seria melhor se os times jogassem desde o início para vencer.

Roleta-russa
Os corintianos que aprovam o acordo com a MSI não têm a mínima idéia do que ocorrerá com o clube. Nem os que se opõem.

Elegância
Do bi Nilton Santos, na Uerj, conforme testemunho do professor Emir Sader: "Só tirei as amígdalas. Meniscos, tenho os quatro, porque nunca dava carrinho. Quem mais gostava de mim no Botafogo era a lavadeira, porque no fim do jogo meu uniforme estava limpinho".

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br


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