São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Esporte gera dinheiro, mas não ganha atenção

Apesar de ver seu PIB decolar nos últimos dez anos, setor segue subaproveitado

Para especialistas, Brasil desperdiça força econômica emergente por direcionar mal seus recursos e não enxergar potencial da área

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Radiografar o papel do setor esportivo na economia brasileira nunca foi tarefa fácil. Afinal, não existe nem consenso entre entidades como Ministério do Esporte, Comitê Olímpico Brasileiro e IBGE sobre quais modalidades são consideradas, de fato, esporte. Um estudo inédito produzido pelo instituto Ipsos Marplan, porém, compilou dados referentes às riquezas produzidas por indústria, comércio, impostos, salários e diversos serviços ligados direta e indiretamente ao setor. O resultado mostra que tal atividade econômica cresceu acima da média brasileira nos últimos dez anos. Um cenário surpreendente, mas que, segundo especialistas, ainda é subaproveitado no país.
Um setor que cresce com impressionante vitalidade, gera dinheiro, atrai a população, mas não valoriza nem investe em quem vive de seu sucesso.
Analisado como atividade econômica, o esporte no Brasil é retratado assim no inédito estudo produzido com dados da Fundação Getúlio Vargas e compilados pelo Ipsos Marplan. A pesquisa, patrocinada pelo Sportv, revela que o impulso econômico proporcionado pela prática de modalidades somado às atividades de produção, comércio e serviços ligados direta ou indiretamente ao esporte movimentaram R$ 37,1 bilhões em 2005, valor correspondente a 1,95% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.
Não se trata de uma explosão circunscrita apenas ao ano passado. O incremento do setor é progressivo e constante.
De 1995 a 2005, o PIB esportivo cresceu 10,86% por ano. No mesmo período, o PIB nacional aumentou, em média, 3,2 % a cada 12 meses.
"É um potencial notável, que, acredito, não está vinculado a políticas ou projetos públicos de incentivo a longo prazo. Acho que a população assimilou a informação de que esporte faz bem e significa saúde", diz Istvan Kasznar, PhD em administração pela California Coast University (EUA) e coordenador da pesquisa.
O cenário parece inspirar apenas otimismo. Segundo especialistas, contudo, a distribuição dos valores revela um país que ainda não aproveita o que o esporte pode oferecer.
"Nosso PIB esportivo é alavancado principalmente pelas atividades de varejo, e não pela venda de ingressos, pela receita dos clubes, pelo salário dos atletas, como nos países desenvolvidos. Isso significa que temos um bom mercado, mas o dinheiro não chega para quem faz e vive o esporte. Investimos mal, e o recurso não alcança quem deveria alcançar", argumenta Amir Somoggi, consultor em marketing esportivo.
Diagnósticos semelhantes foram feitos pela equipe que elaborou a pesquisa. Já que o esporte gera tanta riqueza e cresce com vigor, os pesquisadores resolveram averiguar como o Planalto, os Estados e os municípios encaram o setor.
De acordo com o estudo, o Ministério do Esporte utilizou 0,087% do valor arrecadado em nível federal no ano de 2004. Desse total, 53% acabaram despendidos em burocracia (gastos com pessoal, gestão, encargos) e apenas 47% chegaram aos programas de fomento. A pasta, porém, contesta os percentuais apresentados.
A situação não muda nos 26 Estados, mais o Distrito Federal, nem nos 5.567 municípios esquadrinhados.
"Creio que gasta-se pouco e muito mal. Existe falta de atenção para o potencial do setor. Pelos valores que movimenta, o esporte merecia ter no Brasil uma estrutura mais rica, com forte apoio da iniciativa privada, e todos os profissionais envolvidos poderiam ser mais valorizados", opina Gesner Oliveira, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV e presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia.
Os salários dos esportistas aquecem o debate. Kasznar explica que a defasagem em relação aos grandes centros não aparece mais só no futebol.
Os ídolos, assim, tão importantes para incentivar a prática de modalidades no país, acabam saindo cada vez mais cedo. "No vôlei, os salários médios de atletas de alto desempenho oscilaram entre R$ 9 mil e R$ 23 mil em 2004. No mesmo ano, os atletas brasileiros que atuavam na Itália recebiam, em média, US$ 41,2 mil mensais", diz.
O trabalho analisa outro fato que diferencia o Brasil em relação aos principais mercados: o investimento privado no esporte. O texto conclui que empresas interessadas em aplicar recursos em patrocínio ou marketing no Brasil não recebem contrapartida para as taxas de juros e para uma carga fiscal que supera os 37% do PIB.
"Devemos mudar bastante se quisermos aproveitar nosso potencial. Esporte não pode ser uma questão lateral, mas sim ocupar um plano central na estratégia de desenvolvimento do país", afirma Gesner Oliveira.


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