São Paulo, segunda-feira, 06 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Índice

FUTEBOL

Campo invadido

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O árbitro Alin Sars atuou com um microfone da televisão francesa instalado em seu uniforme durante uma partida da Copa da França, anteontem. Além do som da torcida e da voz dos narradores, o espectador ouvia tudo o que o juiz dizia (e o que era dito a ele), além de saber o momento exato em que soava o apito.
Se pararmos para pensar, uma inovação aparentemente tão singela pode ter importantes desdobramentos. Não custa nada imaginar o que poderá acontecer se a moda pegar.
No aspecto exclusivamente técnico, isto é, da condução do jogo pela arbitragem, os efeitos são óbvios. Ao saber que está sendo ouvido por milhares de pessoas, o árbitro tenderá a moderar sua linguagem e a ser claro, quase didático, na interlocução com os jogadores.
Em vez de gritar "Dá logo a bola que eu já apitei", dirá, por exemplo, "Você cometeu jogo perigoso. Tiro livre indireto".
Os atletas, por sua vez, temerão ofender ou desrespeitar o juiz diante dos ouvidos de todos, temendo punições.
De certo modo, haverá um nivelamento da autoridade dos árbitros. Diminuirá a distância entre o juiz "banana" e o "dono do campo", pois o que hoje se diz no gramado a um árbitro sem autoridade não poderá mais ser dito. Da mesma forma, o mediador autoritário, que xinga e ameaça os jogadores, terá de adotar comportamento mais aceitável.
A tendência, portanto, é a uma maior transparência e ao fortalecimento da instituição da arbitragem, não dos árbitros individualmente.
Mas há outro aspecto, mais sutil, a ser considerado: o da gradativa dissolução das fronteiras entre o lado de dentro e o lado de fora do campo.
A dessacralização do espaço do jogo de futebol é um processo que se iniciou, de certa maneira, com a transmissão das partidas pela televisão, seja ao vivo, seja em videoteipe.
Antes da televisão, o torcedor que ia ao estádio tinha a forte convicção de estar presenciando um evento único e irrepetível, com uma aura de cerimônia mágica ou religiosa.
Sem a aproximação promovida pelas objetivas do cinema ou da TV, o próprio rosto dos atletas era para o torcedor uma imagem difusa, que ele só via de perto nas fotos (muitas delas retocadas) estampadas nas revistas e jornais em impressão de má qualidade.
Havia, simbolicamente, uma distância intransponível entre o campo e a arquibancada. Quando chegava a esta o som de uma bola chocando-se contra a trave ou sendo afastada da área por um zagueiro, o frisson era total.
Só em estádios como a Vila Belmiro ou o Parque São Jorge, o torcedor situado junto ao alambrado podia ouvir, eventualmente, a voz dos ídolos, gritando de dor ou pedindo bola aos companheiros.
Hoje há câmeras e microfones por toda parte: atrás dos gols, nas laterais, nos bancos de reservas. Conhecemos os palavrões favoritos de técnicos e goleiros, vemos em close os ferimentos, as cuspidas e as coçadas dos craques.
Essa ruptura de fronteiras é de mão dupla. Assim como temos acesso às imagens e sons do campo de jogo, jogadores munidos de fones de ouvido já podem ouvir à distância a voz de seu treinador, que por sua vez se comunica eletronicamente com auxiliares postados na arquibancada.
O big brother chegou para ficar.

Notícia boa e má
A eventual contratação de Parreira como coordenador de seleções seria uma notícia ótima para a CBF e péssima para o Corinthians. Com as limitações de seu elenco, o alvinegro perderá força na disputa da Libertadores da América se não puder contar com o treinador que estruturou a equipe e extraiu dela o máximo rendimento possível. Já na CBF, a indicação de Parreira aumenta a possibilidade de escolha de Oswaldo de Oliveira como técnico da seleção principal. Aí quem sairá perdendo é o São Paulo.

Esperança e medo
Hoje é um dia decisivo para o futuro do Palmeiras. Se optarem pela reeleição do presidente, Mustafá Contursi, os conselheiros perderão uma ótima oportunidade de transformar a crise atual no estopim de uma mudança regeneradora. Tudo indica que o medo vencerá a esperança.

E-mail jgcouto@uol.com.br



Texto Anterior: Vôlei - Cida Santos: A novela continua
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.