São Paulo, terça-feira, 06 de fevereiro de 2001

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BASQUETE

Zona de perigo

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

E m um gesto inesperado e explosivo, a NBA aceitou colocar em discussão aquilo que torna seu basquete tão especial, que o distingue do esporte praticado pelos "mortais".
Esta semana, em Washington, um órgão da liga profissional vai debater o impacto sobre as quadras norte-americanas da eventual liberação da defesa por zona.
Formado por delegados dos 29 times, o Comitê Técnico tem a função de radiografar cada temporada e, a partir do diagnóstico, encaminhar soluções para melhorar o jogo, o espetáculo. Não goza de poder executivo. Toda decisão cabe ao Birô de Governadores, composto pelos próprios donos das equipes.
Mas isso não é motivo para subestimar a reunião dos próximos dias. A agenda do comitê foi definida pela cúpula da NBA. Há um caráter oficial, portanto, nessa discussão em torno da mudança de regra mais revolucionária desde a adoção do limite de 24 segundos de posse de bola (1954).
Implantada em 1946, a obrigatoriedade da marcação homem a homem moldou o basquete profissional nos EUA.
Em uma análise simplificadora, pode-se dizer que um jogo na NBA não se resume a um duelo entre times. Na verdade, há cinco duelos individuais simultâneos. Os times se movem para explorar esses confrontos pessoais, para minimizar suas fragilidades e explorar as do rival.
Faltam ao basquete dos "mortais" essa complexidade e rigor. A marcação por zona é condescendente. Usando-a, a equipe arranja "muletas", disfarça suas deficiências. Se o jogador é ruim na defesa, ok, o time o socorre, congestionando o setor.
Por que, então, os cartolas da NBA admitem jogar tudo no lixo? Por três razões:
1) Com a evolução da ciência de treinamento das últimas duas décadas, os atletas adquiriram rapidez e envergadura para "cobrir" mais de um oponente ao mesmo tempo. Os técnicos, cientes, priorizaram e aperfeiçoaram os sistemas defensivos. Na prática, a marcação individual já se transformou em marcação mista;
2) Há uma dificuldade crescente para que os árbitros, com todas as rotações e dobradas na defesa, coíbam o uso ilegal da marcação por zona. Em 1981, por sugestão do Comitê Técnico, várias regras foram detalhadas nesse sentido. Mas são tão complicadas que poucos as compreendem;
3) Os treinadores chegaram a um "consenso" para combater a defesa "meia-zona". Isolam seu melhor jogador no ataque, deslocando os outros quatro para um lado da quadra, e rezam para que ele leve a melhor sobre seu marcador. Essa tática tira velocidade da partida, premia o egoísmo, reduz o número de arremessos (e pontos) e aborrece o fã -times como o Houston são insuportáveis de assistir.
Muita gente acha que o recuo seria um desastre para a NBA. Afinal, a zona levaria ao engarrafamento eterno dos garrafões e inibiria as infiltrações, os lances mais criativos e emocionantes do esporte. Além disso, a produção ofensiva dos torneios "mortais" é ainda mais tímida.
Mas, em nome da novidade, da desburocratização do basquete, a resistência vem caindo. Há dois anos, apenas duas equipes defendiam a terra-arrasada (Seattle e New Jersey). Hoje, segundo levantamento da revista "Sports Illustrated", já são sete.

Alerta 1
Em 99/00, pela primeira vez em 12 temporadas, os placares aumentaram na NBA. Mas o atual campeonato voltou a esfriar o quadro. A pontaria nos arremessos desceu de 44,9% para 44,1%. E a média de pontos por jogo despencou de 195 para 188,4.

Alerta 2
O torneio tem um nível competitivo altíssimo -e inédito. Mas, como quase todas as equipes atuam da mesma -e enfadonha- forma, era natural que o torcedor se distanciasse. Dos 29 times, 18 registram quedas de público em relação a 99/00.

Alerta 3
Nesse marasmo, entende-se a euforia em relação ao All-Star Game (domingo). É uma rara chance de ver um basquete corrido e espontâneo. Mas contenha-se. Astros como Vince Carter, Kobe Bryant e Shaquille O'Neal estão fazendo doce e podem desistir.

E-mail melk@uol.com.br



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