São Paulo, domingo, 06 de março de 2011

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MINHA HISTÓRIA
FÁBIO GARRIDO, 31


Lutador

Pugilista que entrou em coma após sofrer nocaute retorna aos ringues e quer lutar de novo contra seu algoz

RESUMO
Com só duas derrotas em 24 lutas, o meio-pesado Fábio Garrido, 31, quase abandonou a carreira em 2004, quando entrou em coma devido a uma lesão cerebral sofrida em uma luta contra Mário Soares, o Marinho. Após seis anos longe dos ringues, período em que foi segurança particular, o pugilista tenta na Justiça receber R$ 100 mil gastos em tratamento médico.

(...)Depoimento a

RAPHAEL MARCHIORI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Após o coma, tive apenas uma luta em seis anos. Os médicos me diziam que eu não poderia voltar ao boxe.
Mas não é só a minha profissão que é arriscada. Você pode ser assaltado. Um pedreiro pode se acidentar.
Passei por consultas e fiz exames mensalmente por mais de um ano para subir no ringue de novo. Hoje, não tenho nenhuma sequela da luta com o Mário [Soares]. Não foram os golpes do adversário que causaram a lesão. Os médicos me disseram que me machuquei na queda.
Descobri que o ringue não tinha tatame sob a lona para amortecer o impacto. Fiquei três dias em coma induzido, na UTI. Fui atrás de um tratamento particular e gastei mais de R$ 100 mil. A dívida está lá, e estamos tentando o dinheiro na Justiça com os organizadores do evento.

O INÍCIO
Comecei a treinar boxe aos quatro anos, porque sempre fui muito briguento. Até os 19 anos, alternei longos períodos de treinamento com anos de inatividade, porque meu pai, apesar de pugilista, não me queria nos ringues.
Minhas primeiras lutas foram pelo boxe amador, mas logo desisti porque o amadorismo é mal remunerado e traz pouca visibilidade.
Meu treinador sempre foi meu pai, que tem um projeto sob os viadutos de São Paulo que inclui academia e ringues. Ganhei cinco títulos importantes, três pela Federação Paulista de Boxe, um pela Confederação Brasileira de Boxe e um pela Cone Sul, contra um argentino. O treinamento é sob o viaduto mesmo, com geladeiras servindo como sacos para soco e tudo o que se pode imaginar.

A LUTA
Em 2004 [no dia 24 de abril, em São Paulo], enfrentei o Mário, em uma luta promovida por ele. Acho que ele foi favorecido. Levei cabeçada, cotovelada e, quando reclamava, perdia pontos.
Fiquei no único vestiário que não tinha banheiro e, meia hora antes da luta, ligaram o ar-condicionado para que eu sentisse frio. Tive de sair para fazer o aquecimento. Estava preparado para o combate e resisti até o nono round. Mas não guardo rancor do meu adversário.

RACISMO
Quando saí do hospital, estava sem noção da realidade e assinei documentos que nem sabia o que eram. Meu pai processou o Mário.
Hoje, pensando melhor, talvez eu não o processasse como lutador, mas sim como o organizador do evento. Não acho antiético lutar em um evento promovido por mim, mas tomaria todos os cuidados. Ele não sabia da ausência do tatame, nem eu. Só subimos no ringue e lutamos.
Também processaria o Mário por racismo. Naquela luta, fiz tatuagens falsas com as marcas de meus patrocinadores. Ele disse para o meu pai que eu parecia um "macaquinho todo enfeitado".
Não precisava disso. Lutei com os patrocínios porque isso já dá certo fora do Brasil. E fui o primeiro aqui.

INATIVIDADE
Enquanto não tinha autorização médica e confiança para voltar a lutar, fui trabalhar como segurança para uma empresa que terceiriza serviços. Fui vigilante da Bauducco e do Macro [atacadista de alimentos]. Tenho curso para isso.
Mas o que eu queria era competir e, por isso, treinei muito para voltar. Em 2005, participei de uma luta e ganhei por nocaute no terceiro round. Mas não consegui patrocínios para continuar.
O adversário, chamado de Cowboy, diz que não me acertou por conta da lesão cerebral. Mas não teve nada disso. Ele é que estava muito mal, e treinei bastante. Ele golpeava, e eu me esquivava para contragolpeá-lo. É só assistir ao vídeo da luta.

RETORNO
Em março de 2010, voltei a competir para valer. Estou completamente recuperado, sem sequelas. Só tomo o cuidado de levar todos os exames atualizados para a luta.
Foram quatro combates, ganhei três e perdi um. No último, perdi para o colombiano Brinatty Maquilon. A luta foi embaixo do viaduto, organizada pelo meu pai.
Voltei a lutar porque eu amo o boxe. Mas é difícil ganhar dinheiro lutando. Hoje, paga-se em média R$ 1.000 a R$ 1.500 [por combate]. Em quase dez anos de carreira, já cheguei a ganhar R$ 500 para lutar.
Tentamos sobreviver com patrocínios, mas também é difícil. Estou conversando com uma marca de artigos esportivos que talvez me dê uns R$ 5.000 mensais durante dois anos. Ainda não está certo e, na minha carreira, esse será o segundo patrocínio com essa duração e valores.
Por isso, também treino dez jovens pugilistas. Ganho 20% com as lutas que consigo para eles. Mas não perco as esperanças. Ainda tenho uns nove anos como pugilista e vou triunfar.

REVANCHE
Gostaria de lutar com o Mário novamente. Seria bom para mim e para ele.
Não como uma revanche, mas pelos patrocínios que a luta atrairia. Iríamos bater recordes de arrecadação, e a divulgação seria muito boa. As pessoas adoram histórias de superação, e quer mais superação do que a minha?


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