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MINHA HISTÓRIA
FÁBIO GARRIDO, 31
Lutador
Pugilista que entrou em coma após sofrer nocaute retorna aos ringues e quer lutar de novo contra seu algoz
RESUMO
Com só duas
derrotas em 24 lutas, o
meio-pesado Fábio Garrido, 31, quase abandonou a
carreira em 2004, quando
entrou em coma devido a
uma lesão cerebral sofrida
em uma luta contra Mário
Soares, o Marinho. Após
seis anos longe dos ringues, período em que foi
segurança particular, o
pugilista tenta na Justiça
receber R$ 100 mil gastos
em tratamento médico.
(...)Depoimento a
RAPHAEL MARCHIORI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Após o coma, tive apenas
uma luta em seis anos. Os
médicos me diziam que eu
não poderia voltar ao boxe.
Mas não é só a minha profissão que é arriscada. Você
pode ser assaltado. Um pedreiro pode se acidentar.
Passei por consultas e fiz
exames mensalmente por
mais de um ano para subir no
ringue de novo. Hoje, não tenho nenhuma sequela da luta com o Mário [Soares]. Não
foram os golpes do adversário que causaram a lesão. Os
médicos me disseram que me
machuquei na queda.
Descobri que o ringue não
tinha tatame sob a lona para
amortecer o impacto. Fiquei
três dias em coma induzido,
na UTI. Fui atrás de um tratamento particular e gastei
mais de R$ 100 mil. A dívida
está lá, e estamos tentando o
dinheiro na Justiça com os
organizadores do evento.
O INÍCIO
Comecei a treinar boxe aos
quatro anos, porque sempre
fui muito briguento. Até os 19
anos, alternei longos períodos de treinamento com anos
de inatividade, porque meu
pai, apesar de pugilista, não
me queria nos ringues.
Minhas primeiras lutas foram pelo boxe amador, mas
logo desisti porque o amadorismo é mal remunerado e
traz pouca visibilidade.
Meu treinador sempre foi
meu pai, que tem um projeto
sob os viadutos de São Paulo
que inclui academia e ringues. Ganhei cinco títulos
importantes, três pela Federação Paulista de Boxe, um
pela Confederação Brasileira
de Boxe e um pela Cone Sul,
contra um argentino. O treinamento é sob o viaduto
mesmo, com geladeiras servindo como sacos para soco e
tudo o que se pode imaginar.
A LUTA
Em 2004 [no dia 24 de
abril, em São Paulo], enfrentei o Mário, em uma luta promovida por ele. Acho que ele
foi favorecido. Levei cabeçada, cotovelada e, quando reclamava, perdia pontos.
Fiquei no único vestiário
que não tinha banheiro e,
meia hora antes da luta, ligaram o ar-condicionado para
que eu sentisse frio. Tive de
sair para fazer o aquecimento. Estava preparado para o
combate e resisti até o nono
round. Mas não guardo rancor do meu adversário.
RACISMO
Quando saí do hospital,
estava sem noção da realidade e assinei documentos que
nem sabia o que eram. Meu
pai processou o Mário.
Hoje, pensando melhor,
talvez eu não o processasse
como lutador, mas sim como
o organizador do evento. Não
acho antiético lutar em um
evento promovido por mim,
mas tomaria todos os cuidados. Ele não sabia da ausência do tatame, nem eu. Só subimos no ringue e lutamos.
Também processaria o Mário por racismo. Naquela luta, fiz tatuagens falsas com as
marcas de meus patrocinadores. Ele disse para o meu
pai que eu parecia um "macaquinho todo enfeitado".
Não precisava disso. Lutei
com os patrocínios porque isso já dá certo fora do Brasil. E
fui o primeiro aqui.
INATIVIDADE
Enquanto não tinha autorização médica e confiança
para voltar a lutar, fui trabalhar como segurança para
uma empresa que terceiriza
serviços. Fui vigilante da
Bauducco e do Macro [atacadista de alimentos]. Tenho
curso para isso.
Mas o que eu queria era
competir e, por isso, treinei
muito para voltar. Em 2005,
participei de uma luta e ganhei por nocaute no terceiro
round. Mas não consegui patrocínios para continuar.
O adversário, chamado de
Cowboy, diz que não me
acertou por conta da lesão
cerebral. Mas não teve nada
disso. Ele é que estava muito
mal, e treinei bastante. Ele
golpeava, e eu me esquivava
para contragolpeá-lo. É só assistir ao vídeo da luta.
RETORNO
Em março de 2010, voltei a
competir para valer. Estou
completamente recuperado,
sem sequelas. Só tomo o cuidado de levar todos os exames atualizados para a luta.
Foram quatro combates,
ganhei três e perdi um. No último, perdi para o colombiano Brinatty Maquilon. A luta
foi embaixo do viaduto, organizada pelo meu pai.
Voltei a lutar porque eu
amo o boxe. Mas é difícil
ganhar dinheiro lutando.
Hoje, paga-se em média
R$ 1.000 a R$ 1.500 [por combate]. Em quase dez anos
de carreira, já cheguei a ganhar R$ 500 para lutar.
Tentamos sobreviver com
patrocínios, mas também é
difícil. Estou conversando
com uma marca de artigos
esportivos que talvez me dê
uns R$ 5.000 mensais durante dois anos. Ainda não está
certo e, na minha carreira, esse será o segundo patrocínio
com essa duração e valores.
Por isso, também treino
dez jovens pugilistas. Ganho
20% com as lutas que consigo para eles. Mas não perco
as esperanças. Ainda tenho
uns nove anos como pugilista e vou triunfar.
REVANCHE
Gostaria de lutar com o
Mário novamente. Seria bom
para mim e para ele.
Não como uma revanche,
mas pelos patrocínios que a
luta atrairia. Iríamos bater recordes de arrecadação, e a divulgação seria muito boa. As
pessoas adoram histórias de
superação, e quer mais superação do que a minha?
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