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FUTEBOL
Violência e paixão
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Esta coluna é para o Danilo. Não me refiro ao craque
do São Paulo, cada vez mais decisivo nas campanhas vitoriosas do
time (para calar gente como eu,
que o considerava displicente e
inconstante).
Estou falando de outro Danilo,
meu sobrinho recém-saído da
adolescência. Um dia Danilo se
atracou com um pitbull para salvar meu cachorro de ser estraçalhado. Foi a ação mais corajosa
que já vi um homem praticar.
Anteontem à noite, no entanto,
Danilo chorou como uma criança. Dois dias antes ele tinha me
dito que sairia de Londrina, onde
estuda medicina, para ir ao Pacaembu ver Corinthians x River
Plate. Mais que isso: disse que iria
"ralar" até o fim do ano para juntar dinheiro e ir ao Japão ver o alvinegro no Mundial de Clubes.
Até me convidou para participar
da aventura.
Sem contar morte de parente ou
de amigo, o que faz um homem
feito chorar um pranto convulsivo? A resposta é evidente: a paixão. A paixão (qualquer que seja
o seu objeto) lança o homem no
coração do perigo. Torna-o frágil,
irracional. É uma insanidade, ou
seja, uma doença. Mas sem ela,
diria Drummond, "que graça que
a vida tinha?".
O drama é a vida sem as partes
chatas, dizia Hitchcock, pensando no cinema. No futebol é a mesma coisa. Longos meses de tediosos campeonatos, jogos insossos,
toneladas de clichês ditos por jogadores e técnicos, mesas-redondas infames, tudo isso é compensado de repente por alguns momentos de verdadeiro drama humano (ou divina comédia, o que
dá na mesma).
Em dois dias desta semana
aconteceu em São Paulo um desses casos de aceleração do tempo,
de intensificação da eletricidade
no ar.
O fenômeno começou na quarta-feira, no Morumbi, e no dia seguinte se transferiu para o Pacaembu -por coincidência, dois
bairros aristocráticos invadidos
por legiões de plebeus vindos das
mais remotas periferias.
O Morumbi foi palco de uma
celebração dionisíaca, uma nação tricolor em festa por seus heróis triunfantes. O maior deles,
Rogério Ceni, coroou a noite marcando dois gols para que um valesse -faltam dois, na contagem
oficial, para que se torne o maior
goleiro artilheiro do futebol.
O Palmeiras, coitado, entrou
como mero coadjuvante na história. Os alviverdes fizeram o papel
dos cristãos devorados na arena
pelas feras.
Na noite de quinta-feira, no Pacaembu, o drama se aprofundou
em tragédia.
Os heróis alvinegros -alguns
deles, em todo caso- sentiram o
peso do momento e se comportaram como assustados estagiários
diante de profissionais dos momentos decisivos.
O sonho milionário de um esquadrão internacional ruiu em
90 minutos, sem remissão. O abalo foi forte demais para que permanecesse incólume a barreira
entre a massa e seus representantes míticos. Homens choraram como homens, bárbaros voltaram a
ser bárbaros.
Jogo de opostos
Em vista do que foi dito ao lado,
é com estados de espírito contrastantes que corintianos e
são-paulinos entram em campo amanhã em São José do Rio
Preto. Resta esperar que, depois
da catarse de quarta e de quinta, os ânimos estejam serenados o bastante para que o futebol prevaleça sobre a barbárie.
Prova de fogo
Os números mostram que Ronaldinho foi decisivo para a
conquista do bi espanhol pelo
Barcelona. Na seleção brasileira, poucas vezes ele teve tamanho destaque. (Há exceções:
por exemplo, a vitória do Brasil
sobre a Inglaterra na Copa de
2002.) Podemos prever uma
marcação implacável dos rivais
sobre ele na Alemanha. Será
seu mais duro teste, mas aposto
todas as minhas fichas nele.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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