São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

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FUTEBOL

Violência e paixão

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Esta coluna é para o Danilo. Não me refiro ao craque do São Paulo, cada vez mais decisivo nas campanhas vitoriosas do time (para calar gente como eu, que o considerava displicente e inconstante).
Estou falando de outro Danilo, meu sobrinho recém-saído da adolescência. Um dia Danilo se atracou com um pitbull para salvar meu cachorro de ser estraçalhado. Foi a ação mais corajosa que já vi um homem praticar.
Anteontem à noite, no entanto, Danilo chorou como uma criança. Dois dias antes ele tinha me dito que sairia de Londrina, onde estuda medicina, para ir ao Pacaembu ver Corinthians x River Plate. Mais que isso: disse que iria "ralar" até o fim do ano para juntar dinheiro e ir ao Japão ver o alvinegro no Mundial de Clubes. Até me convidou para participar da aventura.
Sem contar morte de parente ou de amigo, o que faz um homem feito chorar um pranto convulsivo? A resposta é evidente: a paixão. A paixão (qualquer que seja o seu objeto) lança o homem no coração do perigo. Torna-o frágil, irracional. É uma insanidade, ou seja, uma doença. Mas sem ela, diria Drummond, "que graça que a vida tinha?".
O drama é a vida sem as partes chatas, dizia Hitchcock, pensando no cinema. No futebol é a mesma coisa. Longos meses de tediosos campeonatos, jogos insossos, toneladas de clichês ditos por jogadores e técnicos, mesas-redondas infames, tudo isso é compensado de repente por alguns momentos de verdadeiro drama humano (ou divina comédia, o que dá na mesma).
Em dois dias desta semana aconteceu em São Paulo um desses casos de aceleração do tempo, de intensificação da eletricidade no ar.
O fenômeno começou na quarta-feira, no Morumbi, e no dia seguinte se transferiu para o Pacaembu -por coincidência, dois bairros aristocráticos invadidos por legiões de plebeus vindos das mais remotas periferias.
O Morumbi foi palco de uma celebração dionisíaca, uma nação tricolor em festa por seus heróis triunfantes. O maior deles, Rogério Ceni, coroou a noite marcando dois gols para que um valesse -faltam dois, na contagem oficial, para que se torne o maior goleiro artilheiro do futebol.
O Palmeiras, coitado, entrou como mero coadjuvante na história. Os alviverdes fizeram o papel dos cristãos devorados na arena pelas feras.
Na noite de quinta-feira, no Pacaembu, o drama se aprofundou em tragédia.
Os heróis alvinegros -alguns deles, em todo caso- sentiram o peso do momento e se comportaram como assustados estagiários diante de profissionais dos momentos decisivos.
O sonho milionário de um esquadrão internacional ruiu em 90 minutos, sem remissão. O abalo foi forte demais para que permanecesse incólume a barreira entre a massa e seus representantes míticos. Homens choraram como homens, bárbaros voltaram a ser bárbaros.

Jogo de opostos
Em vista do que foi dito ao lado, é com estados de espírito contrastantes que corintianos e são-paulinos entram em campo amanhã em São José do Rio Preto. Resta esperar que, depois da catarse de quarta e de quinta, os ânimos estejam serenados o bastante para que o futebol prevaleça sobre a barbárie.

Prova de fogo
Os números mostram que Ronaldinho foi decisivo para a conquista do bi espanhol pelo Barcelona. Na seleção brasileira, poucas vezes ele teve tamanho destaque. (Há exceções: por exemplo, a vitória do Brasil sobre a Inglaterra na Copa de 2002.) Podemos prever uma marcação implacável dos rivais sobre ele na Alemanha. Será seu mais duro teste, mas aposto todas as minhas fichas nele.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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