São Paulo, sábado, 06 de junho de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

Mantos sagrados


Camisas emporcalhadas, desmanches programados, torcida única, alguma coisa está muito errada no futebol


UM LEITOR corintiano me mandou um e-mail indignado, protestando contra o desfiguramento da camisa alvinegra pela miríade de logotipos e nomes de patrocinadores. De fato, o uniforme do Corinthians mais parece um macacão de piloto de F-1.
Em contraste, a camisa do Flamengo, temporariamente sem patrocinador, retomou sua condição de manto sagrado. Ver o Flamengo em campo hoje causa uma breve vertigem, uma sensação de volta ao passado, a um tempo em que o futebol parecia mais simples e essencial. Claro que é uma impressão ilusória e momentânea. Logo o clube fecha contrato com algum anunciante, emporcalha de novo a camisa rubro-negra, e saímos do devaneio como quem sai das reminiscências nostálgicas do "show do intervalo" para o árido segundo tempo de uma partida sem graça.
Pensei em dizer ao corintiano furioso que esse era o preço a pagar para que seu clube tivesse condições de bancar um astro como Ronaldo, um técnico de primeira linha, um bom elenco. Mas fui surpreendido pela reportagem publicada anteontem neste caderno sobre o déficit de R$ 4,8 milhões nas contas alvinegras nos primeiros quatro meses do ano.
Alguma coisa está errada na matemática do Parque São Jorge. No ano passado, amargando penitência na segunda divisão, o Corinthians lucrou R$ 10,8 milhões. Neste ano, conquistando triunfos em campo e brilhando na mídia, tem prejuízo. As razões desse desequilíbrio, segundo o diretor financeiro do clube, foram os novos e vultosos gastos.
Deve ser verdade. De acordo com a revista "Placar", só Ronaldo recebe R$ 1,133 milhão por mês, entre salários e porcentagem nas verbas de patrocínio. A saída, segundo o mesmo cartola corintiano, é vender jogadores para "fazer caixa". Pronto. Está montado o perverso círculo vicioso: para montar um time forte e atrair patrocínio, o clube gasta muito; para cobrir os gastos, vende atletas e enfraquece o time.
A primeira vítima desse processo é, obviamente, o torcedor, que vive o permanente temor de ver seu time se desmanchar da noite para o dia. Torce para que um Dentinho, um Felipe e um André Santos joguem bem, mas não a ponto de chamar a atenção de algum clube europeu.
A segunda vítima é a camisa do time, convertida em vitrine de marcas, com a invasão de cores e formas espúrias que maculam seu caráter simbólico. Desnecessário dizer que, aqui, a vítima é também o torcedor. Na minha ignorância dos fundamentos da ciência econômica, pergunto-me se não haverá outra lógica possível, outro modo de manter a saúde de clubes de massa como Corinthians ou Flamengo, patrimônios culturais e sociais investidos de incalculável capital simbólico.
Mas aqui parece que tudo está de cabeça para baixo. A polícia propõe estádios com torcida única (o equivalente, no esporte, à masturbação) como solução para sua própria incompetência em conter os vândalos que, vale lembrar, atacam quase sempre fora do estádio, como ocorreu na quarta-feira, e continuarão a fazê-lo de qualquer jeito.
Você já percebeu que o tom hoje é azedo, sem humor e sem poesia. Desculpe. Em semana que morre torcedor, é assim.

jgcouto@uol.com.br


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