São Paulo, sábado, 6 de junho de 1998

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MARILENE FELINTO

Mulher que gosta de marido

Não existe uma única coisa no mundo em torno da qual mulheres se juntem como os homens em torno de futebol. Ainda que digam novela, ninguém briga por novela, nem cria campeonato, nem arma torcidas.
Numa mesa de almoço com jornalistas de esportes aqui em Paris, a conversa era essa -velha conversa, é verdade. Que termina sempre do mesmo jeito também: os homens não sabem dizer de onde vem tanta paixão pelo jogo. Emperram num certo ponto da explicação. Não ultrapassam certo estágio de inconsciência -nível primitivo em que o jogo se instala na cabeça deles.
Dizer que mulher gosta de futebol é balela. As que gostam, o fazem porque os maridos gostam. Como já dizia Schopenhauer, e um amigo meu, mulher nasceu para agradar marido. Se o marido joga tênis, ela vira especialista em tênis, se o marido é político, ela se prepara para ser primeira-dama e assim por diante.Claro que tem mulher que gosta de futebol porque sempre gostou de brincadeira de menino, que se identifica, coisa e tal. Mas são a minoria da minoria.
O jogo é uma perda de tempo, duas horas para uma bola entrar dentro duma rede -mulher não tem tempo para isso, vive biologicamente ocupada com a reprodução e os cuidados com a espécie, como também disse o filósofo.
Se o menino chorar na hora do jogo, é só reparar para ver quem é que se levanta para trocar a fralda, dar a mamadeira etc.
Mulher gosta mesmo é de marido. É capaz de se anular por ele, ainda hoje e para sempre. Não há feminismo que mude isso. Nesse aspecto, mulher é um ser estranho, porque nem personalidade tem. Melhor: é dissimulada até na personalidade que tem. Afinal, manter um marido, nos dias de hoje especialmente, exige muita personalidade.
Além disso, não se pode dizer que futebol é um esporte compatível com o corpo feminino, embora não seja pior do que a violenta pegação do rugby. É exatamente essa excessiva proximidade física que não emplaca com mulheres em geral.
Por falar em "pegação", lembrei de que pouco tempo atrás, um amigo meu, fanático por futebol, teve o seguinte diálogo com seu filho de 6 anos:
-Pai, amanhã é aniversário do Rui. Quero comprar um presente.
-Tudo bem, a gente compra.
-Vou comprar o vídeo do Ronaldinho pra ele. Você compra?
-Claro. Ele vai gostar?
-O Rui adora o Ronaldinho, ele é fanático pelo Ronaldinho, só fala nisso o tempo todo. Eu acho que o Rui é bicha.
O pai, chocado, reagiu:
-Mas como assim, filho? Eu também adoro futebol e não sou bicha, ora essa.
Os meninos, na sua espontaneidade invejável, apreendem logo o outro lado do universo macho futebolístico. E são admiravelmente solidários com os amiguinhos. É toda uma inconsciência.


E-mail: mfelinto@uol.com.br



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