São Paulo, sábado, 6 de junho de 1998

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CLÓVIS ROSSI

"Fracassomania" é coisa nossa até no futebol

Se o presidente Fernando Henrique Cardoso soubesse ao menos quantos jogam de cada lado no futebol, hipótese altamente improvável, certamente diria que também nesse território os brasileiros são "fracassomaníacos".
Até a Rede Globo de Televisão, que é uma espécie de Conde Affonso Celso eletrônico (aquele do ufanismo exacerbado), anda meio borocoxô com a seleção.
A mídia impressa, então, nem se fala.
Mas, por enquanto, são só os brasileiros a duvidar de seu próprio time. Na William Hill, uma das principais casas de apostas londrinas, o Brasil continuava, ontem, favorito disparado.
Cada 4 libras esterlinas de aposta no Brasil rendia apenas 11 de volta.
Já uma libra apostada na França (agora a segunda colocada) dá um retorno de seis libras.
Essa é a cotação dos que apostam mais que torcem, porque, afinal, ninguém rasga dinheiro só por patriotismo.
Mas não é diferente a cotação do Brasil entre os que dão palpites sem pôr dinheiro em cima. A firma holandesa de pesquisas Nipo ouviu 2.800 torcedores de sete países europeus (Holanda, Grã-Bretanha, Bélgica, França, Espanha, Alemanha e Itália).
Deu Brasil de novo: 24% dos consultados dizem que a seleção brasileira repetirá em 1998 o triunfo de 1994. É o dobro, exatamente, dos que apontam Alemanha e Itália (12% cada) como favoritos.
Note-se que, nesse caso, o "patriotismo" conta: na Grã-Bretanha, a maioria relativa (26%) aposta na Inglaterra. Mas, mesmo assim, é empate estatístico com os 25% que acham que o Brasil leva.
É muito possível que apostadores e pesquisados não estejam lendo ou vendo nada sobre a seleção brasileira. Mas, ainda que estivessem, não creio que a opinião dos torcedores e apostadores (ao menos os europeus) fosse mudar substancialmente.
No futebol, ao contrário do que ocorre no resto, o brasileiro não tem motivos para "fracassomania". Há praticamente meio século (desde a Copa de 50 pelo menos), o Brasil no futebol é uma potência, não emergente, mas consolidada.
É o que os Estados Unidos são no resto. Pode derrapar aqui e ali, mas está sempre por cima.
Basta recordar fatos que devem estar na cabeça de todos, pelo menos de todos os que acompanham futebol: o Brasil é o único país do mundo que conseguiu disputar, até agora, todas as fases finais de todas as Copas. E é igualmente o único que ganhou quatro títulos.
Ninguém ficará lá muito surpreso se a economia desandar, vitimada pelos famosos déficits externo e fiscal. Para não mencionar o absurdo déficit social, o maior e mais obsceno de todos.
Mas, no futebol, se a seleção fracassar, aí sim o mundo inteiro ficará abismado.
Até porque, se a seleção tem problemas (e são muitos), os outros também os têm. A Inglaterra já perdeu Gascoigne, seu jogador mais habilidoso. Agora, está todo mundo caindo de pau no grandalhão Teddy Sheringham, pilhado numa boate do Algarve (Portugal), fumando, bebendo e bolinando uma mulher.
Na Holanda, o próprio técnico Guus Hiddink abandonou a esperança de contar com Dennis Bergkamp para o jogo de estréia contra a Bélgica. É o eixo da seleção holandesa, eleito o jogador do ano na Premier Ligue, a liga inglesa.
É como diz o Ronaldinho: o Brasil só tem um adversário, o próprio Brasil.



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