São Paulo, sábado, 6 de junho de 1998

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JEAN-MARC BOSMAN

A garrafa metade cheia ou metade vazia

A sentença de Bosman é mundialmente conhecida, pelo menos nos meios esportivos.
Tudo começou em 1990, quando, depois de passar duas temporadas no FC Liège, clube da Bélgica, meu país-natal, eu quis dar continuidade à minha profissão de jogador de futebol no clube francês de Dunkerque. Por diversas razões, o FC Liège bloqueou minha transferência e justificou sua decisão com base nos regulamentos da Federação Belga, que eram simplesmente a transposição para a Bélgica dos regulamentos decretados pela Uefa.
A partir desse momento, como muitos outros jogadores em final de contrato, eu me vi diante de uma situação intolerável: ou aceitava prolongar meu contrato com o FC Liège nas condições financeiras (irrisórias) determinadas por ele, ou punha fim à minha carreira. Mas havia uma terceira solução: apelar para a Justiça. Foi isso que fiz.
Enquanto o caso passava dos tribunais belgas à Corte Européia de Justiça de Luxemburgo, eu me vi totalmente banido e boicotado por ter ousado atacar o poder reinante. Nos dois últimos anos do meu processo, sem clube e sem renda, fui forçado a ir morar na garagem dos meus pais.
A vitória chegou em 15 de dezembro de 95, no dia em que a Corte Européia de Justiça de Luxemburgo proclamou sua decisão: o sistema de transferência que prevê o pagamento de uma indenização para um atleta em final de contrato e a limitação do número de estrangeiros por meio de cláusulas de nacionalidade foram declarados ilegais.
A sentença Bosman não apenas instaurou a liberdade, isto é, a gratuidade dos jogadores em final de contrato, como também o fim das cotas para os jogadores de diferentes países da União Européia num mesmo clube. O Real Madrid, por exemplo. poderia pôr a campo 11 holandeses.
Depois de decretada a sentença Bosman, países como a França, a Bélgica ou a Holanda consideraram que o êxodo de seus melhores jogadores em direção aos campeonatos europeus mais importantes iria diminuir a qualidade de suas equipes nacionais. A razão era a seguinte: os jogadores vão emigrar para os quatro cantos, não terão mais o hábito de jogarem juntos e, portanto, vão perder seu "entrosamento".
Três anos depois da sentença Bosman, às vésperas da Copa, parece que o discurso mudou.
Gerard Holtz, comentarista esportivo da cadeia de televisão nacional francesa, afirmou recentemente num programa: "Graças à sentença Bosman, os jogadores franceses hoje têm, pela primeira vez, a experiência necessária para vencer a Copa do Mundo".
Assim, é a história da garrafa metade cheia ou metade vazia. Se a Copa ficar cheia de champanhe para a França, será em parte graças à sentença Bosman. Aliás, a seleção brasileira não seria o melhor exemplo disso?


Jean-Marc Bosman , 33, é jogador de futebol



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