São Paulo, sábado, 6 de junho de 1998

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Organizar uma partida entre Israel e Palestina é o próximo projeto do presidente da Fifa
Havelange quer fazer jogo da paz

CLAUDINÊ GONÇALVES
de Zurique, especial para a Folha

O presidente da Fifa, João Havelange, há 24 anos no cargo, diz que a "maior glória" de sua vida seria reunir Israel e Palestina em uma partida de futebol. A missão de reunir os países rivais lhe foi conferida, diz ele, por Al Gore, vice-presidente dos EUA, e seria seu primeiro projeto para quando deixar a presidência da entidade.
Havelange tem 82 anos, mas parece ter muito menos. Não fuma, não bebe, anda 5 km todo dia, depois nada durante uma hora e se submete a uma sessão de massagem.
Quando foi eleito pela primeira vez, em 1974, disseram-lhe que não aguentaria uma semana ou, no máximo, um mandato. Foram seis e ele garante que "muita gente gostaria que continuasse por mais um mandato". Decidiu deixar a Fifa dois anos atrás, decisão que lhe tirou noites de sono.
Á frente da Fifa, visitou ao menos três vezes todos os países filiados e é amigo íntimo do rei Juan Carlos 1º, da Espanha, e do presidente francês, Jacques Chirac.
Em entrevista à Folha, diz ter levado essa vida para mostrar do que um brasileiro é capaz.

Folha - O senhor já jogou futebol alguma vez na vida?
Havelange - Quando adolescente jogava e não jogava mal. Mas meu pai me disse que gostaria que eu fizesse natação e eu nadei pelo Brasil na Olimpíada de 1936, em Berlim, e estive na seleção brasileira de waterpolo (polo aquático) em 1952, nos Jogos de Helsinque. A natação é o esporte que pratico diariamente.
Folha - Como era o futebol quando o senhor assumiu a presidência da Fifa, em 1974?
Havelange - Tínhamos a Copa do Mundo com 16 nações, com uma receita de US$ 78 milhões. No caixa da Fifa, não tinha nem US$ 20. Hoje temos a Copa com 32 seleções e a receita para esta Copa é de US$ 500 milhões.
Para a Copa de 2002, temos garantidas receitas de US$ 1,2 bilhão e, para 2006, US$ 1,8 bilhão.
Folha - Futebol tem de ser administrado como empresa?
Havelange - Naturalmente. Nós não podemos vir aqui para torcer nem para ver belas partidas. Minha função aqui foi administrar e acho que fui bem sucedido.
Folha - O sr. cometeu erros nesse período?
Havelange - Fiz tudo para não faltar aos meus compromissos e responsabilidades. Não tenho tristezas, só alegrias. Erros é possível que tenha cometido, mas nada que possa ter prejudicado alguém.
Folha - A divergência com Pelé não foi um desses erros?
Havelange - Primeiro, esse senhor não tem nada a ver com a Fifa. Foi um jogador de futebol a quem eu daria nota 10, com louvor. O resto eu não quero fazer comentários porque ele teve posições fora da Fifa e fora do futebol internacional.
Quando ele quis mudar a lei, eu apenas adverti que não deveria ser contrária aos estatutos da Fifa, apenas isso. No mais, ele fica na posição dele e eu continuo a reverenciá-lo como o maior jogador do século.
Folha - Futebol e política não combinam?
Havelange - O futebol às vezes pode ajudar. China e Taiwan estão na Fifa desde 1980, após cinco anos de negociações. Hoje jogam entre si e o que a política não conseguiu, o futebol pôde harmonizar.
Outro exemplo foi ter conseguido transferir Israel da Confederação asiática para a Oceania, para tentar evitar tristezas como o atentado contra os atletas israelenses em Munique, em 1972.
Hoje, Israel está na Uefa (Europa), e nunca tivemos qualquer problema.
Folha - Mas a Palestina ainda não é membro da Fifa.
Havelange - A adesão da Palestina será aprovada no congresso na Fifa, agora, na França, quando a Fifa passará a ter 203 membros. Estive com vários dirigentes palestinos e três encontros agendados com o presidente (da Autoridade Nacional Palestina, Iasser) Arafat tiveram de ser adiados por diversas razões.
Se o futuro presidente da Fifa me confiar essa missão, esse encontro deverá ocorrer brevemente na Arábia Saudita. A idéia é organizar uma partida entre Israel e a Palestina em Nova York, onde fica a sede da ONU. Na preliminar, jogariam Brasil e Estados Unidos.
O projeto surgiu de um pedido que me foi feito, em 1994, pelo vice-presidente dos EUA, Al Gore, e seria a maior glória de minha vida.
Folha - O assunto hoje é globalização, mas o futebol fez isso antes?
Havelange - Meu conselho é nunca procurar um emprego dependente de uma máquina porque ela ficará obsoleta.
No futebol não tem máquina e, no mundo todo, calcula-se que 450 milhões de pessoas trabalham direta ou indiretamente nele. Considerando-se as famílias, são cerca de 2 bilhões de pessoas, um terço da humanidade, e isso numa época em que a grande preocupação é o desemprego.
Folha - O que falta fazer?
Havelange - Muito. Continuar empolgando a juventude, propiciando a formação dos jovens, dos árbitros, e de todo o pessoal técnico. Formar também administradores, o que continua sendo um dos grandes problemas do futebol.
A Fifa mantém projetos de formação em todas essas áreas, e os progressos já são notáveis, por exemplo, na África e na Ásia.
Folha - Por que a sucessão do sr. está suscitando tanta briga?
Havelange - Qualquer eleição suscita paixões, no futebol ainda mais, e isso às vezes propicia alguns excessos verbais, é natural.
Folha - Como o futebol vai evoluir?
Havelange - Pensamos que será cada vez mais dinâmico. Em 1970, um árbitro corria 6 km por partida; em 1994, a média foi de 12 km. O professor (e técnico de futebol Carlos Alberto) Parreira, que esteve na seleção em 1970 e em 1994, me explicou que a seleção de 70 seria imbatível se tivesse a velocidade da de 94.
Folha - Convivendo com tanta gente importante há 24 anos, como o sr. vai viver o anonimato?
Havelange - O anonimato aos 82 anos não faz mal a ninguém. Vou me reciclar junto à familia, aos amigos, e viver os últimos anos de vida que me faltam em meu país, o Brasil.



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