São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ GERALDO COUTO

A hora da barbárie


Putin, Serdan, neonazistas e "organizadas" ameaçam com sua estupidez a beleza e a graça do futebol

TRÊS FATOS ocorridos em locais diferentes nos últimos dias dão a sensação de uma onda obscurantista ameaçando o futebol por todos os lados.
Sábado passado, em São Paulo, Paulo Serdan, da principal torcida organizada do Palmeiras, a Mancha Alviverde, agrediu a socos e pontapés o treinador da equipe sub-14 do clube simplesmente porque este sacou do time, durante uma partida, o filho do torcedor.
Agravante um: ao ser questionado pela agressão, Serdan disse que não se arrependia do ato e que o faria de novo. "Agi como pai, não como torcedor", foi sua "justificativa". Se todos os pais fossem como ele, não sobraria um treinador vivo sobre a face da Terra. Agravante dois: esse pai exemplar é presidente de honra da Mancha. (Ao que parece, o conceito de honra mudou nos últimos anos.) O gesto animalesco de Serdan corre o risco de ser tomado como exemplo não só pelo filho, mas por milhares de torcedores palmeirenses.
Corta para Porto Alegre. Terça-feira, a polícia deteve dois rapazes de um núcleo neonazista infiltrado na torcida Geral do Grêmio. Entre outras coisas, os mancebos do bando quase mataram um estudante com 11 golpes de canivete. Na casa de um deles, a polícia encontrou cassetetes, canivetes e panfletos que incitam o ódio a negros, homossexuais, judeus, nordestinos e punks.
O grupo a que eles pertencem se autodenomina, canhestramente, White Power Sul Skin, uma mixórdia idiomática que revela o quanto são ignorantes e colonizados.
Agora vamos para Moscou. Lá, quarta-feira passada, um torcedor russo protestou contra a numerosa presença de negros nas equipes de futebol do país. "Olhando nossos times, fica difícil dizer se são realmente nossos ou africanos." O agravante é que quem disse isso não foi um cidadão qualquer, mas o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o que gerou protestos do "nosso" Vágner Love, um dos estrangeiros que tornam mais colorido o futebol de lá.
O que essas histórias têm em comum? A emergência da barbárie, de uma visão irracional, simplória e truculenta do mundo. É quase inacreditável que coisas assim sejam ditas e feitas no século 21, após o que a humanidade sofreu por causa delas. Com tudo isso, fica mais horripilante a leitura da excelente reportagem publicada por Ivan Azevedo na revista "Placar" que está nas bancas, sobre a invasão do reduto da Gaviões da Fiel, no Parque São Jorge, por membros da Torcida Independente do São Paulo, em 14 de julho. Como escreveu o editor da "Placar", Sérgio Xavier Filho, "a descrição do "bonde" são-paulino que invade o território dos Gaviões em nada difere de uma operação do Comando Vermelho contra uma facção rival na luta pelo tráfico de drogas no Rio. Tem tática de combate, guerrilha, espionagem, armas sendo transportadas por diferentes "soldados"...".
Amanhã tem São Paulo x Corinthians. Drama não falta: um está no topo, o outro, na rabeira da tabela. Tomara que o clássico faça jus ao nome que lhe davam os antigos cronistas: "Majestoso". Se olharmos com atenção, há outra coisa em comum entre Serdan, Putin, os neonazistas gaúchos e as milícias "organizadas" paulistanas: com certeza nenhum deles gosta de verdade de futebol.

jgcouto@uol.com.br


Texto Anterior: Kaká: Brasileiro é eleito por atletas o melhor
Próximo Texto: Joel Santana muda cara e impulsiona Flamengo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.