São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

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PAULO VINICIUS COELHO

A honra de Poborsky


A Lazio de 2002 mostra que o Brasileirão pode se decidir em campo. Se o Flamengo for campeão, será por seus méritos

A TORCIDA da Lazio só falava em entregar o jogo para a Inter de Milão. Se perdesse, a Lazio daria o título à Inter, depois de 13 anos de fila. Se vencesse, Juventus e Roma poderiam ficar com a taça, na última rodada do Campeonato Italiano, em 2002. "A torcida da Inter e da Lazio são irmãs. O estádio Olímpico inteiro torceu pela Inter, incluindo os torcedores vestidos com camisetas da Lazio", lembra o jornalista milanês Enzo Palladini.
Em 45 minutos, a história mudou. O tcheco Karel Poborsky fez dois gols, e a Lazio abriu vantagem para 2 a 0 no primeiro tempo. No final, triunfo da Lazio por 4 a 2, Juventus campeã, Roma vice, a Inter ficou em terceiro. Poborsky transferiu-se para o Sparta Praga e nunca mais pisou no Olímpico. Diego Simeone, argentino da Lazio, falou sobre honra. Seu time fez o que precisava fazer.
A história aconteceu em 5 de maio de 2002, o dia em que Ronaldo Fenômeno chorou. O que acontece hoje no Maracanã lembra também o dia em que Grafite livrou o Corinthians do rebaixamento, no Paulistão de 2004. Até hoje, o centroavante do Wolfsburg escuta reclamações de são-paulinos pelos dois gols que rebaixaram o Juventus e deixaram o Corinthians na Série A-1. "As duas bolas caíram na minha frente e eu tinha de seguir minha consciência, o que minha família me ensinou", diz Grafite. "Se fosse diferente, alguém poderia dizer: esse aí é de esquema."
A Lazio de 2002 e o São Paulo de 2004 mostram que o Brasileirão de 2009 pode se decidir em campo. Mesmo com a provável vitória do Flamengo, mesmo que ela seja discutida pelos próximos anos. Se o Flamengo for campeão, será por seus méritos.
Será por causa de Adriano, o melhor jogador do campeonato. Por Petkovic e sua temporada impecável. Será por Andrade.
Incrível a semelhança entre a sua história e a de Carlinhos. Os dois eram volantes, iniciaram suas carreiras de técnico nas divisões de base, foram interinos e vítimas de preconceito pelo jeito simplório. Em 1987, Carlinhos assumiu o cargo de treinador na segunda rodada, no lugar de Antônio Lopes. Era interino, terminou campeão. Em 2009, Andrade virou interino na 14ª rodada. O Fla estava em 11º lugar. Hoje, pode levantar a taça e fazer o clube encerrar um jejum de 17 anos.
Campeão cinco vezes como jogador -um recorde compartilhado com Zinho-, Andrade já acabou com um trauma da maior torcida do Brasil, quando ainda atuava em campo. Foi dele o sexto gol dos 6 x 0 sobre o Botafogo, que encerraram nove anos de gozações alvinegras pelos 0 x 6 sofridos em 1972.
Grato a Andrade, o saudoso rubro--negro Bussunda escrevia sobre sua adolescência assim: "Vocês não têm ideia do que é passar a fase de crescimento inteira sendo sacaneado por botafoguense. Eu perdi a virgindade, mudei de voz, tirei carteira de motorista e para onde eu olhava tinha um Cri-Cri me mostrando os seis dedos das mãos... Andrade, o camisa 6, fez o sexto gol, o da vingança."
Como Bussunda, uma geração de rubro-negros passou a adolescência esperando pelo título brasileiro. É hoje!
Mas não pense que será por causa de algum gremista presepeiro. Lembre-se de Poborsky. Ou se lembre de que Lúcio não vai passar o Reveillón como jogador do Grêmio.


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