São Paulo, sexta-feira, 07 de janeiro de 2005

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FUTEBOL

Macaquitos e favelados

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Os argentinos têm o jogo nos pés, vencem por 2 a 0, e a torcida em peso canta: "Siga, siga, siga; siga o baile no compasso do tamborim; que nesta noite nós f...; os negros do Brasil". De vez em quando, ataca com gritos de "macaquitos". Na decisão do Pré-Olímpico de 96, ali na cancha de Mar del Plata, o fervor futebolístico se confunde com o racismo mais baixo.
O jogo entre as seleções que meses depois serão engolidas pelos africanos da Nigéria, na Olimpíada de Atlanta, impressiona menos do que a malta. Não páram de achincalhar "os negros do Brasil".
É sempre assim quando equipes dos dois países se enfrentam. Lembro bem da noite fria de Buenos Aires no primeiro jogo das finais de 94 da Libertadores, Vélez Sarsfield contra São Paulo. E da final da Copa América de 2004, quando os jogadores brasileiros denunciaram com determinação inédita como os argentinos provocam em campo com palavrório nazistóide.
Agora é a Europa que vive onda de intolerância. Em confronto do Real Madrid com o Bayer Leverkusen, uma torcida espanhola de extrema direita imitava macacos quando negros do time alemão pegavam na bola. Repetiram a dose em partida da Espanha contra a Inglaterra. Torcedores branquelas do Getafe aprontaram com o camaronês Eto'o, do Barcelona.
Não é de espantar que chegue aos estádios o estrupício neonazista. E num antigo bastião de fascistas como a terra de Franco, hoje um Estado democrático. O mais lamentável é a condescendência dos chefões do futebol com os falangistas. Comunicado do Real (onde jogam os mulatos Ronaldo e Roberto Carlos) informou que o presidente da Uefa, Lennart Johansson, viu "comportamento correto do público" espanhol.
Na festa do centenário, a Fifa expôs placas contra o racismo. Divulgou que faria dessa campanha sua "bandeira social" mais importante. Seu presidente, Joseph Blatter, disse: "Temos que agir de maneira forte". Mas, tolerante com o intolerável, multou a Real Federação Espanhola no equivalente a ridículos R$ 87 mil pelos insultos aos negros do English Team. Ou seja: deixou para lá.
No Brasil, nem isso. Ignora-se iniciativa da CBF contra os torcedores argentinos. Nos nossos estádios, as manifestações são mais sutis, mas existem. O que são as rimas grotescas, das torcidas dos clubes ditos de elite, contra nações populares como as de Corinthians e Flamengo? Declamam: "Ela, ela, ela, silêncio na favela!". Como se até a festa tivesse que ser privilégio de bacana.
O jogo em Mar del Plata não acabou 2 a 0.
Um garoto de origem muito pobre, trocado com o Botafogo por algumas dezenas de pares de chuteiras, deu o chute de fora da área que anunciou a virada. O negro Beto é destro. O chutão do gol, salvo drible da memória, foi de canhota. Em seguida, Sávio empatou. O empate deu o título ao Brasil. E os racistas voltaram tristes para casa.

Cabeleira
Do leitor Maurício de Campos Araújo, sobre Ronaldinho: "Ele tem orgulho de ser negro e não tem vergonha do seu cabelo, apesar de muitos acharem feio. (...) Alguns ídolos preferem raspar seus cabelos, para as pessoas não lembrarem que são negros (...)".

Pau oco
Juca Kfouri está certo: daqui a pouco vão santificar Vanderlei. Como se o sucesso do técnico apagasse os erros do cidadão.

Gogó
Em outros tempos, dizia-se de cineastas bem-falantes: o filme é uma droga, mas a entrevista foi ótima. Oswaldo de Oliveira, técnico de talento, tem no Santos o desafio de provar que é tão bom treinando quanto falando.

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br


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