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FUTEBOL
Histórico e justo
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
O texto já estava alinhavado com elogios ao time e à
torcida, na linha do "não deu,
mas valeu"; "foi lindo". Mas o Corinthians foi mais do que "lindo"
-foi glorioso. Que noite inesquecível, essa de quarta-feira no Pacaembu.
O estado lotado já era um espetáculo, mas não era tudo. Por toda a cidade, botecos derramavam
gente pela calçada, reproduzindo
um clima de Copa do Mundo (sério!). Aulas foram abandonadas,
mil encontros foram marcados, a
volta para casa foi adiada para poder ver o jogo na rua, provocando, pulando e gritando como se
estivesse na arquibancada. Um
jogo tão do povão, e sem TV aberta! Loucura... Assisti ao primeiro
tempo em um "sujinho" atrás da
Câmara, perto de uma garagem
de carroças de camelô. Imaginem
o perfil sócio-econômico do público. Fazia tempo que não me divertia tanto... A massa se provocava o tempo todo -são-paulinos elogiavam o chute torto do
Carlos Alberto; palmeirenses
apostavam tudo na vitória corintiana... por 4x1. Nenhuma briga
aconteceu.
O gol aos 11min, nascido da
pressão (tipicamente argentina!)
de Sebá e Tevez (e do talento deste) trazia o peso insuportável da
esperança (pergunte a Manuel
Bandeira) - sucumbir depois de
início tão alvissareiro seria de um
amargor indescritível. E o Cianorte não tardou a botar fel na
boca da torcida. Passada meia
hora de jogo, o Pacaembu já não
gritava, não cantava, não botava
fé. A essa altura, o gol perdido por
Bobô valeria uma "justa causa"
-o sujeito que está ali para colocar a bola na rede não pode cometer um erro daqueles. Não costumo ser implacável assim, mas o
jogador tem de pensar que isso
não pode acontecer mais.
A torcida perdeu o ânimo, mas
o time não se deixou contaminar.
Se Roger estava mesmo fora de
forma quinze dias atrás, teve uma
recuperação fantástica. Como
correu, como se esforçou. Bom para Passarella que ele voltou ao time... O meia conversa com a bola
com jeito, com intimidade. A ajeitada e a conclusão no seu primeiro gol foram de quem não precisa
pensar para saber o que vai fazer
com a pelota; a decisão é anterior
ao pensamento racional, como
Tostão costuma dizer. A isso se
chama talento.
E assim prosseguiu a história,
até o mais improvável final feliz.
Com raça e categoria; com paixão
e equilíbrio; com Roger, Tevez, Sebá, Marcelo Mattos, Hugo e os demais, o Corinthians produziu
uma página de história a ser rememorada durante anos e anos,
saboreada mil vezes entre pais e
filhos, colegas e desconhecidos.
Hoje é dia de gravar todos os programas de TV, comprar e guardar todos os jornais. Hoje o corintiano tem certeza que deus existe,
que a vida vai melhorar, que tudo-tudo-tudo vai dar pé. Insuportavelmente feliz, insuportavelmente chato, mas tudo bem. A
gente que não é corintiano vai ter
de agüentar.
Mas -ora, tudo tem um
"mas"...- que ninguém se iluda:
essa vitória fantástica não prova
nada. É bobagem acreditar que
"depois dessa, ninguém segura".
Lembra o que pensamos depois
da semifinal contra a Holanda
em 98? Tudo bem, deixo isso pra
depois - por enquanto, Corinthians, parabéns.
Ah, se fosse...
Corintianos reclamam com razão: se os dois erros crassos de
arbitragem dos últimos dias tivessem sido a favor do Corinthians, teriam merecido horas
de debate nas mesas-redondas,
protestos irados, repetições
exaustivas de cada lance. "É o
poder da grana, a máfia russa..." O gol legítimo do Tevez
no domingo, no Pacaembu, ridiculamente anulado, poderia
ter tido efeito devastador no
Santos x São Paulo em Mogi
Mirim. E o gol ilegítimo do Cianorte ontem, incrivelmente validado pela arbitragem mesmo
com vários atletas em impedimento, poderia ter causado
uma tragédia no mesmo Pacaembu. Menos mal que ele entra para a história como mais
um ingrediente dramático de
um enredo incrível.
E-mail: soninha.folha@uol.com.br
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