São Paulo, quinta-feira, 07 de abril de 2005

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FUTEBOL

Histórico e justo

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

O texto já estava alinhavado com elogios ao time e à torcida, na linha do "não deu, mas valeu"; "foi lindo". Mas o Corinthians foi mais do que "lindo" -foi glorioso. Que noite inesquecível, essa de quarta-feira no Pacaembu.
O estado lotado já era um espetáculo, mas não era tudo. Por toda a cidade, botecos derramavam gente pela calçada, reproduzindo um clima de Copa do Mundo (sério!). Aulas foram abandonadas, mil encontros foram marcados, a volta para casa foi adiada para poder ver o jogo na rua, provocando, pulando e gritando como se estivesse na arquibancada. Um jogo tão do povão, e sem TV aberta! Loucura... Assisti ao primeiro tempo em um "sujinho" atrás da Câmara, perto de uma garagem de carroças de camelô. Imaginem o perfil sócio-econômico do público. Fazia tempo que não me divertia tanto... A massa se provocava o tempo todo -são-paulinos elogiavam o chute torto do Carlos Alberto; palmeirenses apostavam tudo na vitória corintiana... por 4x1. Nenhuma briga aconteceu.
O gol aos 11min, nascido da pressão (tipicamente argentina!) de Sebá e Tevez (e do talento deste) trazia o peso insuportável da esperança (pergunte a Manuel Bandeira) - sucumbir depois de início tão alvissareiro seria de um amargor indescritível. E o Cianorte não tardou a botar fel na boca da torcida. Passada meia hora de jogo, o Pacaembu já não gritava, não cantava, não botava fé. A essa altura, o gol perdido por Bobô valeria uma "justa causa" -o sujeito que está ali para colocar a bola na rede não pode cometer um erro daqueles. Não costumo ser implacável assim, mas o jogador tem de pensar que isso não pode acontecer mais.
A torcida perdeu o ânimo, mas o time não se deixou contaminar. Se Roger estava mesmo fora de forma quinze dias atrás, teve uma recuperação fantástica. Como correu, como se esforçou. Bom para Passarella que ele voltou ao time... O meia conversa com a bola com jeito, com intimidade. A ajeitada e a conclusão no seu primeiro gol foram de quem não precisa pensar para saber o que vai fazer com a pelota; a decisão é anterior ao pensamento racional, como Tostão costuma dizer. A isso se chama talento.
E assim prosseguiu a história, até o mais improvável final feliz. Com raça e categoria; com paixão e equilíbrio; com Roger, Tevez, Sebá, Marcelo Mattos, Hugo e os demais, o Corinthians produziu uma página de história a ser rememorada durante anos e anos, saboreada mil vezes entre pais e filhos, colegas e desconhecidos. Hoje é dia de gravar todos os programas de TV, comprar e guardar todos os jornais. Hoje o corintiano tem certeza que deus existe, que a vida vai melhorar, que tudo-tudo-tudo vai dar pé. Insuportavelmente feliz, insuportavelmente chato, mas tudo bem. A gente que não é corintiano vai ter de agüentar.
Mas -ora, tudo tem um "mas"...- que ninguém se iluda: essa vitória fantástica não prova nada. É bobagem acreditar que "depois dessa, ninguém segura". Lembra o que pensamos depois da semifinal contra a Holanda em 98? Tudo bem, deixo isso pra depois - por enquanto, Corinthians, parabéns.

Ah, se fosse...
Corintianos reclamam com razão: se os dois erros crassos de arbitragem dos últimos dias tivessem sido a favor do Corinthians, teriam merecido horas de debate nas mesas-redondas, protestos irados, repetições exaustivas de cada lance. "É o poder da grana, a máfia russa..." O gol legítimo do Tevez no domingo, no Pacaembu, ridiculamente anulado, poderia ter tido efeito devastador no Santos x São Paulo em Mogi Mirim. E o gol ilegítimo do Cianorte ontem, incrivelmente validado pela arbitragem mesmo com vários atletas em impedimento, poderia ter causado uma tragédia no mesmo Pacaembu. Menos mal que ele entra para a história como mais um ingrediente dramático de um enredo incrível.


E-mail: soninha.folha@uol.com.br

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