São Paulo, domingo, 07 de maio de 2006

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COPA 2006

O senhor da guerra (e seu escudeiro da paz)

Presidente do Irã leva política para seleção e assombra Mundial

Técnico prega discurso apolítico e quer seu elenco unido pela paz

GUILHERME ROSEGUINI
LUÍS FERRARI
PAULO COBOS

DA REPORTAGEM LOCAL

Seus comandados não ostentam status de craques e sua seleção não é favorita ao título.
Branko Ivankovic, porém, tem mais motivos para perder o sono na Copa da Alemanha do que seus colegas que coordenam equipes badaladas. Tudo porque o discurso e as atitudes de um torcedor fanático tiraram seu elenco da posição de figurante para colocá-lo no centro de um furacão.
Mahmoud Ahmadinejad é o responsável pelo turbilhão. Presidente do Irã desde 2005, ele ganhou notoriedade por manifestações polêmicas (qualificou duas vezes de "mito" o extermínio de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra) e principalmente por desenvolver um programa nuclear censurado pelo Ocidente.
Já seria suficiente para tumultuar o cenário e dar tom político à presença do Irã no certame. Só que Ahmadinejad foi além.
Apaixonado por futebol, o presidente declarou que pode arrumar espaço na agenda para acompanhar um duelo do país in loco na Alemanha. O fato gerou protestos da comunidade internacional, deu dor de cabeça para os organizadores e obrigou Ivankovic a tomar uma atitude sem precedentes para evitar dissabores.
"Não vamos entrar nesse clima de guerra. Somos homens do esporte. Eu disse ao grupo que precisávamos abrir mão de diferenças políticas e ideológicas em prol da unidade do grupo. Todos concordaram. Estamos com outro espírito. Vamos ficar longe de confusões", afirmou o técnico croata de 52 anos à Folha.
A postura de Ivankovic e seu elenco é ousada. Ahmadinejad não é um mero espectador do esporte. Sua dedicação ao futebol desafia até os padrões radicais que definiu para seu governo.
Em duas oportunidades -uma no ano passado e outra em fevereiro último-, ele chegou a vestir uniforme e chuteira e treinou com a seleção. Participou dos treinos físicos e integrou o time reserva durante o coletivo. Não foi substituído. Após as práticas, arrumou tempo para discutir esquemas táticos com os atletas e papeou sobre as possibilidades do time no Mundial com o técnico.
"Ele entende muito de futebol e sempre se mostrou muito carinhoso com todo o grupo. Mas posso garantir que nunca teve nenhum tipo de ingerência sobre o meu trabalho. Tenho autonomia total para fazer o que quiser aqui", afirmou o treinador.
Tanto Ivankovic quanto o presidente crêem que o Irã pode surpreender e conseguir um espaço nos mata-matas do Mundial, feito jamais obtido pelo país. A seleção integra o Grupo D, ao lado de Angola, México e Portugal.
Em nome do bem-estar dos jogadores, até proibições são abrandadas. Um exemplo ocorreu na festa realizada para apresentação do uniforme que o grupo vai envergar na Alemanha. A Puma, fabricante da peça, promoveu uma recepção na capital Teerã. Música eletrônica, não tolerada no país, animou a noite. Não houve recriminação pela atitude.
Se cede em alguns preceitos, Ahmadinejad também é duro com quem não obedece às suas determinações. O presidente chegou a intervir na federação de futebol. Motivo: os comandantes do esporte eram aliados de seus adversários políticos.
Apesar desse curioso empenho, a meta de ver o time alcançar a marca histórica na Copa é espinhosa, especialmente para um país de pouca tradição nos campos. A primeira participação do Irã em Mundiais ocorreu em 1978, um 14º lugar entre 16 seleções. Vinte anos depois, a equipe voltou ao torneio, mas a política roubou os holofotes.
A seleção enfrentou os EUA, país com o qual não mantinha relações diplomáticas desde a Revolução Islâmica de 1979. Antes do embate, jogadores das duas equipes se abraçaram. Após o 2 a 1 para os iranianos, Bill Clinton, então presidente norte-americano, exaltou os vencedores e declarou que o Mundial é uma grande forma de unir os povos.
Essa postura de tolerância é bem diferente da que existe hoje. Ahmadinejad é persona non grata na Alemanha e já recebeu ameaças. Entidades de defesa dos direitos humanos e parlamentares já pressionam os organizadores para que o visto de entrada seja negado ao presidente.
O ex-jogador Wolfgang Overath e Daniel Cohn-Bendit, dirigente do Partido Verde alemão, sugeriram até a exclusão da seleção. A solicitação foi negada posteriormente pelo governo.
Pior: os responsáveis pela segurança do torneio dizem que o recrudescimento do diálogo do Irã com o Ocidente torna os jogadores alvos de possíveis atentados.
"Nós sabemos que não encontraremos um ambiente favorável. Estamos preparados e vamos viajar com um único objetivo: jogar futebol. Queremos mostrar que somos um time coeso e bem preparado", conta Ivankovic.
Ele sabe o que é chegar a um campeonato desacreditado e surpreender. Em 1998, fazia parte da comissão técnica da seleção da Croácia, que desbancou favoritas e alcançou o terceiro lugar.
"A hora está chegando, meus adversários são excelentes, será difícil. Mas estou aqui desde 2002 e conheço meus jogadores. Basta não perdermos o foco. Por isso seremos um time apolítico. E acho que assim daremos nossa contribuição para a paz no mundo."


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