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COPA 2006
O senhor da guerra (e seu escudeiro da paz)
Presidente do Irã leva política para seleção e assombra Mundial
Técnico prega discurso apolítico e quer seu elenco unido pela paz
GUILHERME ROSEGUINI
LUÍS FERRARI
PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Seus comandados não ostentam
status de craques e sua seleção
não é favorita ao título.
Branko Ivankovic, porém, tem
mais motivos para perder o sono
na Copa da Alemanha do que
seus colegas que coordenam
equipes badaladas. Tudo porque
o discurso e as atitudes de um torcedor fanático tiraram seu elenco
da posição de figurante para colocá-lo no centro de um furacão.
Mahmoud Ahmadinejad é o
responsável pelo turbilhão. Presidente do Irã desde 2005, ele ganhou notoriedade por manifestações polêmicas (qualificou duas
vezes de "mito" o extermínio de 6
milhões de judeus durante a Segunda Guerra) e principalmente
por desenvolver um programa
nuclear censurado pelo Ocidente.
Já seria suficiente para tumultuar o cenário e dar tom político à
presença do Irã no certame. Só
que Ahmadinejad foi além.
Apaixonado por futebol, o presidente declarou que pode arrumar espaço na agenda para acompanhar um duelo do país in loco
na Alemanha. O fato gerou protestos da comunidade internacional, deu dor de cabeça para os organizadores e obrigou Ivankovic
a tomar uma atitude sem precedentes para evitar dissabores.
"Não vamos entrar nesse clima
de guerra. Somos homens do esporte. Eu disse ao grupo que precisávamos abrir mão de diferenças políticas e ideológicas em prol
da unidade do grupo. Todos concordaram. Estamos com outro espírito. Vamos ficar longe de confusões", afirmou o técnico croata
de 52 anos à Folha.
A postura de Ivankovic e seu
elenco é ousada. Ahmadinejad
não é um mero espectador do esporte. Sua dedicação ao futebol
desafia até os padrões radicais que
definiu para seu governo.
Em duas oportunidades -uma
no ano passado e outra em fevereiro último-, ele chegou a vestir
uniforme e chuteira e treinou com
a seleção. Participou dos treinos
físicos e integrou o time reserva
durante o coletivo. Não foi substituído. Após as práticas, arrumou
tempo para discutir esquemas táticos com os atletas e papeou sobre as possibilidades do time no
Mundial com o técnico.
"Ele entende muito de futebol e
sempre se mostrou muito carinhoso com todo o grupo. Mas
posso garantir que nunca teve nenhum tipo de ingerência sobre o
meu trabalho. Tenho autonomia
total para fazer o que quiser aqui",
afirmou o treinador.
Tanto Ivankovic quanto o presidente crêem que o Irã pode surpreender e conseguir um espaço
nos mata-matas do Mundial, feito
jamais obtido pelo país. A seleção
integra o Grupo D, ao lado de Angola, México e Portugal.
Em nome do bem-estar dos jogadores, até proibições são abrandadas. Um exemplo ocorreu na
festa realizada para apresentação
do uniforme que o grupo vai envergar na Alemanha. A Puma, fabricante da peça, promoveu uma
recepção na capital Teerã. Música
eletrônica, não tolerada no país,
animou a noite. Não houve recriminação pela atitude.
Se cede em alguns preceitos,
Ahmadinejad também é duro
com quem não obedece às suas
determinações. O presidente chegou a intervir na federação de futebol. Motivo: os comandantes do
esporte eram aliados de seus adversários políticos.
Apesar desse curioso empenho,
a meta de ver o time alcançar a
marca histórica na Copa é espinhosa, especialmente para um
país de pouca tradição nos campos. A primeira participação do
Irã em Mundiais ocorreu em
1978, um 14º lugar entre 16 seleções. Vinte anos depois, a equipe
voltou ao torneio, mas a política
roubou os holofotes.
A seleção enfrentou os EUA,
país com o qual não mantinha relações diplomáticas desde a Revolução Islâmica de 1979. Antes do
embate, jogadores das duas equipes se abraçaram. Após o 2 a 1 para os iranianos, Bill Clinton, então
presidente norte-americano,
exaltou os vencedores e declarou
que o Mundial é uma grande forma de unir os povos.
Essa postura de tolerância é
bem diferente da que existe hoje.
Ahmadinejad é persona non grata
na Alemanha e já recebeu ameaças. Entidades de defesa dos direitos humanos e parlamentares já
pressionam os organizadores para que o visto de entrada seja negado ao presidente.
O ex-jogador Wolfgang Overath e Daniel Cohn-Bendit, dirigente do Partido Verde alemão,
sugeriram até a exclusão da seleção. A solicitação foi negada posteriormente pelo governo.
Pior: os responsáveis pela segurança do torneio dizem que o recrudescimento do diálogo do Irã
com o Ocidente torna os jogadores alvos de possíveis atentados.
"Nós sabemos que não encontraremos um ambiente favorável.
Estamos preparados e vamos viajar com um único objetivo: jogar
futebol. Queremos mostrar que
somos um time coeso e bem preparado", conta Ivankovic.
Ele sabe o que é chegar a um
campeonato desacreditado e surpreender. Em 1998, fazia parte da
comissão técnica da seleção da
Croácia, que desbancou favoritas
e alcançou o terceiro lugar.
"A hora está chegando, meus
adversários são excelentes, será
difícil. Mas estou aqui desde 2002
e conheço meus jogadores. Basta
não perdermos o foco. Por isso seremos um time apolítico. E acho
que assim daremos nossa contribuição para a paz no mundo."
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