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FUTEBOL
Atalhos perigosos
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O Santos aproveitou o recesso do Campeonato Brasileiro para iniciar um discreto
desmanche. Alex, Paulo Almeida
e Renato estão de partida.
O fato coloca em relevo a conhecida fragilidade financeira dos
clubes brasileiros, sua dificuldade
em manter em seus elencos jogadores de alto nível.
Na busca de soluções para esse
quadro crítico, têm sido apontados dois atalhos perigosos: o aumento do preço dos ingressos e a
volta do "passe", abolido pela Lei
Pelé.
Elevar o preço dos ingressos me
parece uma atitude burra tanto
do ponto de vista social como do
estritamente comercial. Comecemos pelo segundo.
Uma lei básica do capitalismo é
a lei da oferta e da procura. Um
produto custa caro quando é procurado por muita gente. Mesmo
com preço mais alto, haverá, em
número suficiente, consumidores
dispostos a comprá-lo.
Ora, o que está acontecendo
com os jogos de futebol é o contrário. Com raras exceções, tem sido
baixa a freqüência aos estádios.
Portanto, se a idéia é atrair torcedores, não faz sentido aumentar o
preço do ingresso. Seria o mesmo
que um comerciante dizer: "Este
tecido está vendendo pouco. Vou
subir o preço para atrair mais
compradores".
Sei que alguns dirão: para
atrair espectadores é preciso melhorar os estádios, e isso demanda
dinheiro. É verdade. Mas a equação continua a mesma. Preço alto
= menos público = receita menor.
Ou alguém crê que ingressos
mais caros vão automaticamente
produzir estádios mais confortáveis, modernos, limpos e seguros?
Do ponto de vista social, não é
preciso pensar muito para perceber o suicídio que representa, para a própria elite, restringir ainda
mais as opções de lazer da população pobre.
Há ainda, a meu ver, um terceiro ponto: afastar dos estádios as
grandes massas populares significa cortar as raízes -e conseqüentemente a seiva- do próprio futebol brasileiro. Não consigo imaginar um futebol vivo e duradouro sem a presença popular.
Passemos ao problema do "passe". Sabemos que a Lei Pelé ocasionou uma série de distorções
que precisam ser corrigidas, entre
elas o prejuízo causado aos clubes
reveladores e o poder nocivo dos
empresários de jogadores.
Querer simplesmente reintroduzir o "passe" que mantém o
profissional preso ao clube me parece um retrocesso tremendo, do
ponto de vista trabalhista, político e moral. Nos primeiros anos
após a Abolição, em 1888, muitos
fazendeiros faliram por não se
adaptarem à situação. Nem por
isso tornou-se legítimo ou sensato
pedir a volta da escravidão.
Não sou economista ou administrador e não tenho a receita
para resolver esses problemas. É
algo que precisa ser discutido no
âmbito dos clubes, das federações
e dos governos, pois é assunto de
interesse público. Só sei que escravizar atletas e elitizar o espetáculo não vai ajudar em nada.
Em tempo: estou escrevendo a
coluna antes de Chile x Brasil. Comento o jogo outra hora.
Ademir eterno
Um dos prazeres proporcionados pelo especial da ESPN Brasil "Mulatinhos Rosados", sobre os cem anos do Bangu, foi o
de ver Ademir da Guia, que, assim como seu pai Domingos e
outros antepassados, começou
no clube carioca. Ver Ademir
jogar no meio-campo, com seu
estilo macio e sua elegância inigualável, é uma experiência
atemporal. Ademir da Guia está para o futebol como Paulinho da Viola está para o samba.
Ambos têm o orgulho discreto
de pertencer a uma linhagem
nobre. Tomara que o cineasta
catarinense Penna Filho consiga viabilizar logo seu projeto de
documentário sobre o craque
banguense-palmeirense-universal. Nestes tempos de brutalidade -dentro e fora do campo-, precisamos do refinamento de Ademir.
E-mail: jgcouto@uol.com.br
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