São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2004

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FUTEBOL

Atalhos perigosos

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O Santos aproveitou o recesso do Campeonato Brasileiro para iniciar um discreto desmanche. Alex, Paulo Almeida e Renato estão de partida.
O fato coloca em relevo a conhecida fragilidade financeira dos clubes brasileiros, sua dificuldade em manter em seus elencos jogadores de alto nível.
Na busca de soluções para esse quadro crítico, têm sido apontados dois atalhos perigosos: o aumento do preço dos ingressos e a volta do "passe", abolido pela Lei Pelé.
Elevar o preço dos ingressos me parece uma atitude burra tanto do ponto de vista social como do estritamente comercial. Comecemos pelo segundo.
Uma lei básica do capitalismo é a lei da oferta e da procura. Um produto custa caro quando é procurado por muita gente. Mesmo com preço mais alto, haverá, em número suficiente, consumidores dispostos a comprá-lo.
Ora, o que está acontecendo com os jogos de futebol é o contrário. Com raras exceções, tem sido baixa a freqüência aos estádios. Portanto, se a idéia é atrair torcedores, não faz sentido aumentar o preço do ingresso. Seria o mesmo que um comerciante dizer: "Este tecido está vendendo pouco. Vou subir o preço para atrair mais compradores".
Sei que alguns dirão: para atrair espectadores é preciso melhorar os estádios, e isso demanda dinheiro. É verdade. Mas a equação continua a mesma. Preço alto = menos público = receita menor.
Ou alguém crê que ingressos mais caros vão automaticamente produzir estádios mais confortáveis, modernos, limpos e seguros?
Do ponto de vista social, não é preciso pensar muito para perceber o suicídio que representa, para a própria elite, restringir ainda mais as opções de lazer da população pobre.
Há ainda, a meu ver, um terceiro ponto: afastar dos estádios as grandes massas populares significa cortar as raízes -e conseqüentemente a seiva- do próprio futebol brasileiro. Não consigo imaginar um futebol vivo e duradouro sem a presença popular.
Passemos ao problema do "passe". Sabemos que a Lei Pelé ocasionou uma série de distorções que precisam ser corrigidas, entre elas o prejuízo causado aos clubes reveladores e o poder nocivo dos empresários de jogadores.
Querer simplesmente reintroduzir o "passe" que mantém o profissional preso ao clube me parece um retrocesso tremendo, do ponto de vista trabalhista, político e moral. Nos primeiros anos após a Abolição, em 1888, muitos fazendeiros faliram por não se adaptarem à situação. Nem por isso tornou-se legítimo ou sensato pedir a volta da escravidão.
Não sou economista ou administrador e não tenho a receita para resolver esses problemas. É algo que precisa ser discutido no âmbito dos clubes, das federações e dos governos, pois é assunto de interesse público. Só sei que escravizar atletas e elitizar o espetáculo não vai ajudar em nada.
Em tempo: estou escrevendo a coluna antes de Chile x Brasil. Comento o jogo outra hora.

Ademir eterno Um dos prazeres proporcionados pelo especial da ESPN Brasil "Mulatinhos Rosados", sobre os cem anos do Bangu, foi o de ver Ademir da Guia, que, assim como seu pai Domingos e outros antepassados, começou no clube carioca. Ver Ademir jogar no meio-campo, com seu estilo macio e sua elegância inigualável, é uma experiência atemporal. Ademir da Guia está para o futebol como Paulinho da Viola está para o samba. Ambos têm o orgulho discreto de pertencer a uma linhagem nobre. Tomara que o cineasta catarinense Penna Filho consiga viabilizar logo seu projeto de documentário sobre o craque banguense-palmeirense-universal. Nestes tempos de brutalidade -dentro e fora do campo-, precisamos do refinamento de Ademir.

E-mail: jgcouto@uol.com.br


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