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FUTEBOL
O último sambista
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Tostão escreveu aqui, com o
brilho habitual, sobre um assunto que merece desenvolvimento. Segundo ele, os times do Rio
estão mal, entre outros motivos,
porque jogam de forma lenta e
cadenciada, como se ainda vivessem nos tempos dos grandes craques do passado. "Não jogam e
deixam o adversário jogar."
De fato, no mundo todo o futebol se tornou mais veloz e competitivo. Mas, como todo processo
histórico é ambivalente, perdeu-se muito em arte e criatividade.
Romário talvez seja o último
grande craque carioca de velho
estilo, malemolente e imprevisível. Adaptou-se aos novos tempos, é verdade (tanto que continua fazendo seus gols), mas de
uma maneira muito pessoal e curiosa.
Em vez de aderir à correria e ao
primado da preparação física,
Romário construiu como que
uma bolha de tempo à sua volta.
É como se jogasse numa outra dimensão, fora do lufa-lufa normal
de uma partida, apenas esperando o momento de entrar em cena
e impor o seu ritmo próprio.
Como João Gilberto na música
(outro que conjuga tradição e
modernidade), Romário parece
deter o segredo do tempo, tanto
no longo prazo (custa a envelhecer) como no imediato: seus lances são sempre um pouco mais
lentos ou um pouco mais rápidos
que o que se espera, desconcertando os adversários -e às vezes os
próprios companheiros.
Mas a tendência é que perca,
aos poucos, os reflexos e a mobilidade, até o momento em que não
será mais capaz nem mesmo de
fazer suas breves entradas no fluxo de uma partida. Será, então,
um peso morto para o seu time.
Tomara que pare antes disso.
Penso em Romário como o último representante de um artesanato que está sendo substituído
pela indústria.
É só compará-lo, por exemplo,
com um craque da nova geração,
como Kaká.
O garoto do São Paulo é pura
eficiência. Seu futebol enxuto e
objetivo (mas não isento de invenção) nasce de uma integração
absoluta ao ritmo da partida.
No jogo de Romário sentimos os
resquícios de um outro tempo, de
um outro andamento, como se
em meio à atual cacofonia de
funks e raps ouvíssemos por instantes os ecos de um samba de
Cartola.
A vida nas cidades brasileiras,
sobretudo em seus bairros pobres,
tornou-se mais frenética e brutal,
perdeu os vestígios semi-rurais
que mantinha até 20 ou 30 anos
atrás. A música popular acompanhou esse processo. De Paulinho
da Viola a Mano Brown, há toda
uma história da delicadeza perdida, de espaços que se degradaram, de relações humanas que se
embruteceram. No futebol, de certo modo, o processo foi parecido.
Não por acaso, no início do filme "Cidade de Deus", ouve-se
uma canção de Cartola (a belíssima "Alvorada") e joga-se futebol
num campinho de terra.
Ao final, só hip hop e tiros de fuzil -e nem sinal do campinho ou
de uma bola.
O futebol, afinal, faz parte da
vida social e não teria como escapar ileso da barbárie que nos cercou.
Por falar em barbárie, exaltados
torcedores palmeirenses tentaram outro dia agredir jogadores e
dirigentes do clube. Pelo jeito,
ainda não perceberam que a saída não é fazer mais cabeças rolarem, mas, sim, ajudar as que ainda são capazes de pensar.
Pressão em casa
Contra o Gama, na estréia de
Levir Culpi, o Palmeiras tem
hoje no Parque Antarctica a
chance de bater o pé no fundo do poço e iniciar a volta à
superfície, afastando-se das
últimas colocações. Mas uma
derrota -ou mesmo um empate- pode reacender a ira
verde. Como tem acontecido
no torneio, jogar em casa, sob
tamanha pressão, pode ser
uma grande desvantagem.
Pequeno clássico
São Caetano x São Paulo, hoje à tarde, tem tudo para ser
um grande jogo, sobretudo
porque, depois da derrota
diante do Cruzeiro, o tricolor
descobriu que não é imbatível e que precisa se reencontrar, ou melhor, encontrar
um lugar para Ricardinho,
ainda subaproveitado. O
Azulão, por sua vez, vem embalado pelas vitórias sobre a
Ponte Preta (em Campinas) e
o Guarani de seu ex-treinador Jair Picerni.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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