São Paulo, sábado, 07 de setembro de 2002

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FUTEBOL

O último sambista

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Tostão escreveu aqui, com o brilho habitual, sobre um assunto que merece desenvolvimento. Segundo ele, os times do Rio estão mal, entre outros motivos, porque jogam de forma lenta e cadenciada, como se ainda vivessem nos tempos dos grandes craques do passado. "Não jogam e deixam o adversário jogar."
De fato, no mundo todo o futebol se tornou mais veloz e competitivo. Mas, como todo processo histórico é ambivalente, perdeu-se muito em arte e criatividade.
Romário talvez seja o último grande craque carioca de velho estilo, malemolente e imprevisível. Adaptou-se aos novos tempos, é verdade (tanto que continua fazendo seus gols), mas de uma maneira muito pessoal e curiosa.
Em vez de aderir à correria e ao primado da preparação física, Romário construiu como que uma bolha de tempo à sua volta. É como se jogasse numa outra dimensão, fora do lufa-lufa normal de uma partida, apenas esperando o momento de entrar em cena e impor o seu ritmo próprio.
Como João Gilberto na música (outro que conjuga tradição e modernidade), Romário parece deter o segredo do tempo, tanto no longo prazo (custa a envelhecer) como no imediato: seus lances são sempre um pouco mais lentos ou um pouco mais rápidos que o que se espera, desconcertando os adversários -e às vezes os próprios companheiros.
Mas a tendência é que perca, aos poucos, os reflexos e a mobilidade, até o momento em que não será mais capaz nem mesmo de fazer suas breves entradas no fluxo de uma partida. Será, então, um peso morto para o seu time. Tomara que pare antes disso.
Penso em Romário como o último representante de um artesanato que está sendo substituído pela indústria.
É só compará-lo, por exemplo, com um craque da nova geração, como Kaká.
O garoto do São Paulo é pura eficiência. Seu futebol enxuto e objetivo (mas não isento de invenção) nasce de uma integração absoluta ao ritmo da partida.
No jogo de Romário sentimos os resquícios de um outro tempo, de um outro andamento, como se em meio à atual cacofonia de funks e raps ouvíssemos por instantes os ecos de um samba de Cartola.
A vida nas cidades brasileiras, sobretudo em seus bairros pobres, tornou-se mais frenética e brutal, perdeu os vestígios semi-rurais que mantinha até 20 ou 30 anos atrás. A música popular acompanhou esse processo. De Paulinho da Viola a Mano Brown, há toda uma história da delicadeza perdida, de espaços que se degradaram, de relações humanas que se embruteceram. No futebol, de certo modo, o processo foi parecido.
Não por acaso, no início do filme "Cidade de Deus", ouve-se uma canção de Cartola (a belíssima "Alvorada") e joga-se futebol num campinho de terra.
Ao final, só hip hop e tiros de fuzil -e nem sinal do campinho ou de uma bola.
O futebol, afinal, faz parte da vida social e não teria como escapar ileso da barbárie que nos cercou.

Por falar em barbárie, exaltados torcedores palmeirenses tentaram outro dia agredir jogadores e dirigentes do clube. Pelo jeito, ainda não perceberam que a saída não é fazer mais cabeças rolarem, mas, sim, ajudar as que ainda são capazes de pensar.

Pressão em casa
Contra o Gama, na estréia de Levir Culpi, o Palmeiras tem hoje no Parque Antarctica a chance de bater o pé no fundo do poço e iniciar a volta à superfície, afastando-se das últimas colocações. Mas uma derrota -ou mesmo um empate- pode reacender a ira verde. Como tem acontecido no torneio, jogar em casa, sob tamanha pressão, pode ser uma grande desvantagem.

Pequeno clássico
São Caetano x São Paulo, hoje à tarde, tem tudo para ser um grande jogo, sobretudo porque, depois da derrota diante do Cruzeiro, o tricolor descobriu que não é imbatível e que precisa se reencontrar, ou melhor, encontrar um lugar para Ricardinho, ainda subaproveitado. O Azulão, por sua vez, vem embalado pelas vitórias sobre a Ponte Preta (em Campinas) e o Guarani de seu ex-treinador Jair Picerni.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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