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FUTEBOL
Diálogo imaginário
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Na última noite, Felipão demorou a dormir, preocupado com a partida contra o Chile.
O treinador permaneceu várias
horas sonolento, em estado de
transição entre a consciência e a
inconsciência, entre a razão e o
sonho.
De repente, ouviu uma voz estranha. Não era de homem nem
de mulher; de criança nem de
adulto; de gaúcho nem de alguém
de outro Estado brasileiro.
Talvez fosse a voz do inconsciente, das profundezas da alma,
do seu alter ego (uma pessoa real
ou imaginária) ou de um palpiteiro do além, inconformado com
as más atuações da seleção.
Aí começaram um bate-papo.
- O que te preocupa tanto?,
perguntou a voz.
- Se o Brasil não se classificar,
ficarei na história como o único
treinador que conseguiu essa
"proeza".
- Isso só acontecerá se a seleção cometer erros absurdos. Além
disso, a vida é feita de fracassos e
de sucessos. A maioria vai reconhecer suas qualidades e títulos.
- Sei lá! Já tinha decidido a escalação e a tática da equipe desde
sexta-feira e agora estou em dúvida. Não sei se escalo dois ou três
zagueiros.
- Se a equipe jogar com três
zagueiros, dois laterais e dois volantes, ficará muito defensiva.
Perde-se um armador ou atacante, e o terceiro zagueiro fica sem
função.
- É assim que joga a maioria
das equipes no mundo, retrucou o
técnico.
- É verdade. Mas um erro não
justifica o outro. Se optar pelos
três zagueiros, por que não escala
somente um volante e um meia
pela direita (Juninho) e outro pela esquerda (Rivaldo)?
- Desse jeito a defesa fica muito desprotegida.
- Ficará se os zagueiros jogarem muito atrás, os meias e os
atacantes estiverem lá na frente e
os alas atuarem próximos das linhas laterais. Aí ficará um vazio
no meio-de-campo. Se o time
marcar por pressão, com os alas
atuando ao lado do volante e os
meias participando da marcação,
formando um bloco, o Brasil terá
a posse de bola a maior parte do
jogo e no campo do adversário. Aí
vai precisar de jogadores habilidosos. Além disso, a seleção tem
três zagueiros para marcar no
máximo dois atacantes. Para que
mais defensores?
- Gosto muito do esquema da
Argentina, divaga o técnico.
- É mais ofensivo ainda. São
três zagueiros, três médios (dois
alas e um volante) e um armador
na ligação com os três atacantes.
Esses quatro poderiam ser o Ronaldinho pela direita, o França
no centro, o Rivaldo pela esquerda e o Juninho, que viria de trás.
- É arriscado mudar a tática
nesse jogo decisivo. O time não
treinou assim.
- Talvez tenha razão, ponderou a voz. Então é melhor jogar
no esquema tradicional brasileiro, com dois zagueiros, dois laterais, dois volantes, um meia de
cada lado (Juninho e Rivaldo) e
dois atacantes. Depois que o Brasil se classificar, você poderá experimentar algo diferente.
- Não sei também quem escalo
no ataque. São seis jogadores para duas posições.
- Eu escalaria um ataque mais
leve, habilidoso e ofensivo, com
França e Ronaldinho, além do Juninho e do Rivaldo. Deixaria o
Denílson como opção.
- Você é também um romântico, saudosista. Parece com esses
jornalistas que escrevem, apagam
e depois reescrevem. Assim é muito fácil.
- São funções diferentes. A do
jornalista é opinar, questionar e
divagar. A do técnico é escalar e
ajudar o time a jogar bem.
- O futebol ofensivo, de toques
e dribles bonitos, não existe mais.
Acabou o futebol arte. O importante é a pegada (com bastante
faltas se necessário), velocidade,
jogadas ensaiadas e malandragem. O restante é fantasia e frescura.
- Como vocês técnicos não
conseguem unir a marcação e a
disciplina tática com o talento, a
eficiência e a ofensividade, escolhem o caminho mais fácil, feio e
improdutivo. Essa é a principal
causa do mau futebol brasileiro.
- Chega de conversa fiada!
Suas opiniões só serviram para
me confundir.
Cansado, Felipão dormiu profundamente. Sonhou com uma
bela partida. A seleção jogava um
futebol descontraído, leve, empolgante e ofensivo. Sufocava o adversário desde o início. Vencia e
brilhava. A torcida vibrava e
aplaudia de pé. A imprensa elogiava a equipe. Renascia o futebol
bonito e eficiente.
Não sei se o Felipão acredita em
sonhos. Mas a essência da vida é o
sonho.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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