São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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São Paulo invade reduto corintiano por talentos

Parceria finca bandeira do clube na zona leste, onde há 31% de fãs alvinegros

De graça, acordo só obriga clube a pagar ao Botafogo algum valor em caso de negociação de garotos revelados pela várzea local

JULYANA TRAVAGLIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Guaianases, zona leste de São Paulo. No campinho de terra que tem como pano de fundo as casas humildes do Jardim Aurora, na periferia da capital, meninos de 8 a 13 anos correm freneticamente atrás da bola no treino do Grêmio Botafogo de Guaianases, tradicional clube da várzea paulistana.
São, em grande parte, torcedores do São Paulo e do Corinthians, equipes que duelam esta tarde no Morumbi pelo Brasileiro, lutando para mostrarem suas habilidades com a redonda nos pés. E não medem esforços para aparecer.
Logo que percebem a reportagem da Folha, começa o burburinho e a fatídica pergunta. "Quer me entrevistar, tia?", dizem a todo instante.
Questionados sobre qual o time de coração, 17 dos 30 meninos que treinavam numa tarde quente repetem aos berros "Corinthians, Corinthians!", como se estivessem nas arquibancadas do Pacaembu, vendo o time do Parque São Jorge.
E é justamente neste reduto corintiano que o São Paulo tenta fincar novas raízes.
No último dia 21, a diretoria do time do Morumbi fechou parceria com o Botafogo pelas divisões de base do clube, que tem uma história de 52 anos na várzea paulistana.
No acordo, o São Paulo tem exclusividade na escolha de algum dos cerca de 500 meninos que fazem parte de um projeto social para testes no clube, se um talento dos campinhos de terra despertar interesse.
Por ora, o São Paulo não terá nenhum custo com a parceria, mas a diretoria botafoguense receberá uma compensação financeira em caso de negociação do jogador revelado ali.
De quebra, a equipe tricolor ainda consegue se infiltrar em uma região da cidade predominantemente alvinegra para angariar novos torcedores.
Segundo a última pesquisa do Datafolha sobre distribuição de torcedores na capital paulista, realizada em agosto deste ano, 31% dos moradores da zona leste da cidade torcem pelo Corinthians, contra 19% de são-paulinos.
A admiração pelo time do Parque São Jorge reflete-se dentro de campo. Um exemplo saiu do próprio Botafogo.
O lateral-direito Coelho, hoje no Atlético-MG, deixou o time de Guaianases aos 14 anos e rumou para o Corinthians, onde se profissionalizou.
"Agora acabou a mamata do Corinthians aqui", brincou o torcedor santista e declarado "apaixonado pelo São Paulo" Severo Ramos, responsável pelo marketing do Botafogo.
O discurso são-paulino já é mais brando. "Estamos dando a oportunidade para esses jovens de conhecer o São Paulo, coisa que não fariam por conta da distância", explicou Geraldo de Oliveira, responsável pelo futebol amador do São Paulo.
Pouco mais de 45 km separam o Céu Jambeiro, local onde está o campinho do Botafogo de Guaianases, dos portões do estádio do Morumbi.
"Quem se destacar e for para o São Paulo terá toda a estrutura psicológica e de treinamento que o clube oferece aos garotos que hoje estão em Cotia", destacou Oliveira, citando o CT que onde o clube mantém meninos das categorias de base.
Itamar de Jesus, presidente do clube da zona leste, afirma que Corinthians e Portuguesa, outro clube que costumava buscar jogadores no local, chegaram a sondá-lo para uma parceria. "Mas nenhum passou de um bate-papo ou chegou com uma proposta formal, no papel, como fez o São Paulo", explicou Jesus.
O dirigente quer ver outros "Coelhos" ganharem status depois de deixar a várzea. Mas também pensa no lado social que envolve a parceria.
"Indo algum dos meninos para lá, eles só têm a ganhar como cidadãos no futuro. Se não saírem daqui para o São Paulo e se transformarem em jogadores profissionais, pelo menos deixarão o futebol sendo mais homens e bem formados."

Poeira e aprendizado
Enquanto nenhum menino ruma para o CT são-paulino em Cotia, a rotina segue em Guaianases. Em campo, a molecada esquece as diferenças entre os times e corre pelo sonho.
Discurso de boleiro não falta. "Quero jogar em qualquer grande clube para ajudar minha família e dar alegrias aos torcedores", diz Lucas de Lima Rodrigues, 11, corintiano.
Por um bom desempenho em campo, quem sofre -além da bola por certas vezes- são os expectadores, que comem a poeira de arrancadas, divididas e defesas rasteiras do terrão, levantada pela gana da molecada.
E, quando a chance de um gol é desperdiçada, a lamentação já é de gente grande: mãos sujas no rosto suado, bufões e sinais da cruz.
A oportunidade de marcar escapa, mas não a vontade de tentar novamente. E nessa rotina mais poeira sobe pelos céus de Guaianases enquanto o estrelato não chega.


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