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São Paulo invade reduto corintiano por talentos
Parceria finca bandeira do clube na zona leste, onde há 31% de fãs alvinegros
De graça, acordo só obriga clube a pagar ao Botafogo algum valor em caso de negociação de garotos revelados pela várzea local
JULYANA TRAVAGLIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Guaianases, zona leste de São
Paulo. No campinho de terra
que tem como pano de fundo as
casas humildes do Jardim Aurora, na periferia da capital,
meninos de 8 a 13 anos correm
freneticamente atrás da bola
no treino do Grêmio Botafogo
de Guaianases, tradicional clube da várzea paulistana.
São, em grande parte, torcedores do São Paulo e do Corinthians, equipes que duelam esta tarde no Morumbi pelo Brasileiro, lutando para mostrarem suas habilidades com a redonda nos pés. E não medem
esforços para aparecer.
Logo que percebem a reportagem da Folha, começa o burburinho e a fatídica pergunta.
"Quer me entrevistar, tia?", dizem a todo instante.
Questionados sobre qual o time de coração, 17 dos 30 meninos que treinavam numa tarde
quente repetem aos berros
"Corinthians, Corinthians!",
como se estivessem nas arquibancadas do Pacaembu, vendo
o time do Parque São Jorge.
E é justamente neste reduto
corintiano que o São Paulo tenta fincar novas raízes.
No último dia 21, a diretoria
do time do Morumbi fechou
parceria com o Botafogo pelas
divisões de base do clube, que
tem uma história de 52 anos na
várzea paulistana.
No acordo, o São Paulo tem
exclusividade na escolha de algum dos cerca de 500 meninos
que fazem parte de um projeto
social para testes no clube, se
um talento dos campinhos de
terra despertar interesse.
Por ora, o São Paulo não terá
nenhum custo com a parceria,
mas a diretoria botafoguense
receberá uma compensação financeira em caso de negociação do jogador revelado ali.
De quebra, a equipe tricolor
ainda consegue se infiltrar em
uma região da cidade predominantemente alvinegra para angariar novos torcedores.
Segundo a última pesquisa
do Datafolha sobre distribuição de torcedores na capital
paulista, realizada em agosto
deste ano, 31% dos moradores
da zona leste da cidade torcem
pelo Corinthians, contra 19%
de são-paulinos.
A admiração pelo time do
Parque São Jorge reflete-se
dentro de campo. Um exemplo
saiu do próprio Botafogo.
O lateral-direito Coelho, hoje no Atlético-MG, deixou o time de Guaianases aos 14 anos e
rumou para o Corinthians, onde se profissionalizou.
"Agora acabou a mamata do
Corinthians aqui", brincou o
torcedor santista e declarado
"apaixonado pelo São Paulo"
Severo Ramos, responsável pelo marketing do Botafogo.
O discurso são-paulino já é
mais brando. "Estamos dando
a oportunidade para esses jovens de conhecer o São Paulo,
coisa que não fariam por conta
da distância", explicou Geraldo
de Oliveira, responsável pelo
futebol amador do São Paulo.
Pouco mais de 45 km separam o Céu Jambeiro, local onde está o campinho do Botafogo de Guaianases, dos portões do estádio do Morumbi.
"Quem se destacar e for para
o São Paulo terá toda a estrutura psicológica e de treinamento
que o clube oferece aos garotos
que hoje estão em Cotia", destacou Oliveira, citando o CT
que onde o clube mantém meninos das categorias de base.
Itamar de Jesus, presidente
do clube da zona leste, afirma
que Corinthians e Portuguesa,
outro clube que costumava
buscar jogadores no local, chegaram a sondá-lo para uma
parceria. "Mas nenhum passou
de um bate-papo ou chegou
com uma proposta formal, no
papel, como fez o São Paulo",
explicou Jesus.
O dirigente quer ver outros
"Coelhos" ganharem status depois de deixar a várzea. Mas
também pensa no lado social
que envolve a parceria.
"Indo algum dos meninos
para lá, eles só têm a ganhar como cidadãos no futuro. Se não
saírem daqui para o São Paulo e
se transformarem em jogadores profissionais, pelo menos
deixarão o futebol sendo mais
homens e bem formados."
Poeira e aprendizado
Enquanto nenhum menino
ruma para o CT são-paulino em
Cotia, a rotina segue em Guaianases. Em campo, a molecada
esquece as diferenças entre os
times e corre pelo sonho.
Discurso de boleiro não falta.
"Quero jogar em qualquer
grande clube para ajudar minha família e dar alegrias aos
torcedores", diz Lucas de Lima
Rodrigues, 11, corintiano.
Por um bom desempenho em
campo, quem sofre -além da
bola por certas vezes- são os
expectadores, que comem a
poeira de arrancadas, divididas
e defesas rasteiras do terrão, levantada pela gana da molecada.
E, quando a chance de um gol
é desperdiçada, a lamentação já
é de gente grande: mãos sujas
no rosto suado, bufões e sinais
da cruz.
A oportunidade de marcar
escapa, mas não a vontade de
tentar novamente. E nessa rotina mais poeira sobe pelos céus
de Guaianases enquanto o estrelato não chega.
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