São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2008

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XICO SÁ

O favorito


A dúvida é se Luxemburgo não seguiu a Buenos Aires por amor ao clube ou se ficou por vaidade estrelada

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, você liga a tevê, ali em uma quarta sem grandes atrações ludopédicas, e vê o treinador de sua equipe como comentarista de um jogo também do seu time.
Como você não está muito concentrado e sua mulher parece cada vez mais encantadora, você aumenta o volume e reconhece a voz. Duas bolas foras depois, não tem dúvida: o técnico do seu time comenta os erros de posicionamento dos seus bravos atletas e ainda tenta repará-los; vezes telepaticamente, vezes pelo celular ou rádio, algo do gênero.
Sim, amigo, tudo bem, o certame em jogo era a Sul-Americana, taça que os brasileiros ainda desprezam, como passaram toda uma vida esnobando também a Libertadores -do contrário o Santos e o Botafogo teriam um balaio de títulos, que pena! Sim, amigo, que lição de envolvimento com os atletas que viajaram, que aula de compromisso passional com o clube, não acha? Enfim, que belo exemplo!, como disse o Sócrates no programa "Cartão Verde".
Fica uma dúvida, posta à sombra moral de quem não escreve certezas absolutas, mas tem o direito à desconfiança inata do bicho homem que pensa: o técnico não seguiu com o time para ficar concentrado no Brasileiro ou fez opção pelo convite ao palco iluminado da Globo? Não que ele precise de tal expediente, afinal é o favorito e já pisa no chão de estrelas, é "o bom", como na autodefinição preferida, noves fora a tentação pecaminosa da soberba.
Para além do bem e do mal, todo cidadão tem direito a uma dúvida à moda Tostines por semana. Eis aí a deste secador pé-de-chinelo: não seguiu a Buenos Aires por amor ao clube ou ficou por vaidade estrelada? Se o time que treina for campeão nacional, nem um torcedor lembrará da ocorrência. Terá a mesma validade desta crônica: embrulhar o peixe da feira. Mas se não triunfa, sendo ele favorito, pois treina uma rara equipe com investimentos milionários em solo pátrio, a memória de quarta lhe custará uma fortuna.
Ainda durante o jogo em que o nosso personagem viveu a experiência de teletreinador, um amigo exclamava: "No Corinthians, isso seria impossível, a torcida não perdoaria, mesmo que a gente estivesse na Terceirona!" Não sei se vem ao caso, fica mais uma dúvida para o debate no café da firma ou à noite no boteco.
"E o cara ainda fica comentando sobre o São Paulo e sobre o Grêmio, vai cuidar do seu time, rapaz", berrou outro exaltado telespectador que viu comigo o embate de quarta.
É, amigo, o que seria uma modorrenta noite de futebol, acabou, por causa do técnico comentarista, tendo a sua graça. Para completar o realismo-fantástico da Sul-Americana, o André Luiz, do Botafogo, desclassificado pelo Estudiantes, deu cartão amarelo para o árbitro do jogo.

No Canindé
Melancólico qual uma boa letra de fado, Edgar, o corvo, adotou a Lusa na reta final do Brasileiro. Assim como fez no Maracanã, contra o Flamengo, amanhã estará no Canindé para secar o São Paulo. "Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/ Ainda vai tornar-se um imenso Portugal", grasna a maldita ave, com a música de Chico Buarque e Ruy Guerra. É a sua melô do infortúnio e da desgraça.

xico.folha@uol.com.br



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