São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2008

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SONINHA

Orgulho e ressentimento

Temos orgulho dos atletas brasileiros, mas não do Brasil... O que fazemos nesse jogo, ou melhor, nesse país?

UM NADADOR entrando na água para mais uma vitória. A braçada final de uma nadadora que também foi a melhor em sua prova. Uma ginasta executando um salto perfeito para encerrar sua apresentação no solo. O esforço em câmera lenta, o sorriso extasiado, o orgulho no pódio sob a bandeira de seu país. Os triunfos de uma nação traduzidos no sucesso de seus atletas; a justificada expectativa de novas glórias. O mítico 8/8/08 aparecendo como marco de nova missão.
O vídeo acima poderia estar sendo exibido em meia dúzia de lugares pelo mundo; ao mesmo tempo, "só podia ser" nos Estados Unidos. Um amigo brasileiro o assistiu duas ou três vezes na TV instalada no banco traseiro de um táxi em Nova York.
Durante a longa corrida até um restaurante tailandês, enquanto passava por anúncios em espanhol, e o motorista paquistanês falava ao telefone, ficou matutando: "Qual será o efeito dessa verdadeira convocação patriótica sobre os estadunidenses em geral?". O nova-iorquino "médio" não parece fácil de comover, comparado ao habitante de alguma cidade pequena do interior.
De longe, parece que todos os americanos são apaixonados por si mesmos e ferozes defensores de sua cultura, valores e atitudes, mas muitos se envergonham do ufanismo, dos modos imperiais, da baboseira autoglorificadora que proclama a superioridade da "América" sobre o resto do planeta. Esses talvez torçam o nariz para o furor olímpico, os músculos retesados e punhos cerrados; talvez até festejem derrotas dos grandes favoritos, para que tenham uma lição de humildade. E mesmo esses, alguma hora, devem torcer alucinadamente por um atleta ou um time e se comover, aqui e ali, com o sucesso de um compatriota.
Corta para o Brasil. E aqui, como vão nosso orgulho, entusiasmo e "amor à pátria"? Fiquei, eu, matutando. Poderíamos ter um vídeo parecido, um nadador, uma ginasta, outro ginasta, uma jogadora de futebol (!). Temos orgulho de nossos Thiagos, Jades, Diegos e Martas, embora o plural, aqui, não se aplique como lá. Cada campeão nosso é quase um fenômeno, vitorioso não só contra os adversários esportivos mas contra as conhecidas adversidades. As exceções só confirmam que existe uma "regra". Com isso, suas vitórias, em vez de nos fazerem felizes com o país, nos deixam ressentidos. Por que têm de treinar e jogar lá fora? Por que outros milhares de talentos são desperdiçados?
Temos orgulho dos brasileiros, mas não do Brasil... Ou queremos deixar claro que o Brasil é a gente, não "eles", os dirigentes esportivos, políticos e empresários, que abrem champanhe para comemorar vitórias obtidas apesar deles. E assim fazemos uma confusão dos diabos, porque "eles" saem daqui, da gente.
O Brasil é o que é porque a gente deixa, participando ou se omitindo. No sofá, na área VIP, na arquibancada ou na quadra, com bola ou rodo para enxugar o piso, estamos no jogo.
Nós comemoramos a vitória de um brasileiro como se fosse "nossa", enquanto amaldiçoamos os outros pelas derrotas. Assim não vai dar...
Ou assumimos que temos todos um papel no time, ou as vitórias continuarão sendo obra de prodígios - e não o resultado lógico de um trabalho bem-feito.


soninha.folha@uol.com.br

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