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SONINHA
Orgulho e ressentimento
Temos orgulho dos atletas brasileiros, mas não do Brasil... O que fazemos nesse jogo, ou melhor, nesse país?
UM NADADOR entrando na
água para mais uma vitória.
A braçada final de uma nadadora que também foi a melhor em
sua prova. Uma ginasta executando
um salto perfeito para encerrar sua
apresentação no solo. O esforço em
câmera lenta, o sorriso extasiado, o
orgulho no pódio sob a bandeira de
seu país. Os triunfos de uma nação
traduzidos no sucesso de seus atletas; a justificada expectativa de novas glórias. O mítico 8/8/08 aparecendo como marco de nova missão.
O vídeo acima poderia estar sendo
exibido em meia dúzia de lugares
pelo mundo; ao mesmo tempo, "só
podia ser" nos Estados Unidos. Um
amigo brasileiro o assistiu duas ou
três vezes na TV instalada no banco
traseiro de um táxi em Nova York.
Durante a longa corrida até um
restaurante tailandês, enquanto
passava por anúncios em espanhol,
e o motorista paquistanês falava ao
telefone, ficou matutando: "Qual será o efeito dessa verdadeira convocação patriótica sobre os estadunidenses em geral?". O nova-iorquino
"médio" não parece fácil de comover, comparado ao habitante de alguma cidade pequena do interior.
De longe, parece que todos os
americanos são apaixonados por si
mesmos e ferozes defensores de sua
cultura, valores e atitudes, mas muitos se envergonham do ufanismo,
dos modos imperiais, da baboseira
autoglorificadora que proclama a
superioridade da "América" sobre o
resto do planeta. Esses talvez torçam o nariz para o furor olímpico, os
músculos retesados e punhos cerrados; talvez até festejem derrotas dos
grandes favoritos, para que tenham
uma lição de humildade. E mesmo
esses, alguma hora, devem torcer
alucinadamente por um atleta ou
um time e se comover, aqui e ali,
com o sucesso de um compatriota.
Corta para o Brasil. E aqui, como
vão nosso orgulho, entusiasmo e
"amor à pátria"? Fiquei, eu, matutando. Poderíamos ter um vídeo parecido, um nadador, uma ginasta,
outro ginasta, uma jogadora de futebol (!). Temos orgulho de nossos
Thiagos, Jades, Diegos e Martas,
embora o plural, aqui, não se aplique
como lá. Cada campeão nosso é quase um fenômeno, vitorioso não só
contra os adversários esportivos
mas contra as conhecidas adversidades. As exceções só confirmam
que existe uma "regra". Com isso,
suas vitórias, em vez de nos fazerem
felizes com o país, nos deixam ressentidos. Por que têm de treinar e
jogar lá fora? Por que outros milhares de talentos são desperdiçados?
Temos orgulho dos brasileiros,
mas não do Brasil... Ou queremos
deixar claro que o Brasil é a gente,
não "eles", os dirigentes esportivos,
políticos e empresários, que abrem
champanhe para comemorar vitórias obtidas apesar deles. E assim fazemos uma confusão dos diabos,
porque "eles" saem daqui, da gente.
O Brasil é o que é porque a gente deixa, participando ou se omitindo. No
sofá, na área VIP, na arquibancada
ou na quadra, com bola ou rodo para
enxugar o piso, estamos no jogo.
Nós comemoramos a vitória de
um brasileiro como se fosse "nossa",
enquanto amaldiçoamos os outros
pelas derrotas. Assim não vai dar...
Ou assumimos que temos todos um
papel no time, ou as vitórias continuarão sendo obra de prodígios - e
não o resultado lógico de um trabalho bem-feito.
soninha.folha@uol.com.br
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