São Paulo, sábado, 08 de julho de 2006

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Clóvis Rossi

A bola e os políticos

SE VOCÊ pensa que só no Brasil político pega carona na seleção em busca de prestígio, precisa ver o que está acontecendo na França.
Suponho que a TV brasileira tenha mostrado o presidente Jacques Chirac na tribuna de honra, no dia em que a França eliminou o Brasil, cachecol tricolor enrolado nas mãos. Até onde acompanhei, no estádio, Chirac não chegou a usá-lo, ao contrário do que aconteceu em 1998, no Stade de France, quando a França humilhou o Brasil.
Agora, Chirac prepara-se para viajar de novo à Alemanha, para a partida final contra a Itália. Aliás, é bom dizer que Angela Merkel, a chanceler alemã, não perdeu um jogo, embora, pela gesticulação, desse a entender que não é exatamente especialista nesse esporte. O primeiro-ministro italiano Romano Prodi também compareceu ao jogo contra a Alemanha.
Deve ser divertido ficar pertinho das autoridades nessas horas. Se são fanáticos (e Chirac o é), ficam obrigados à contenção, para não ferir a suscetibilidade do governante ao lado. Será que xingam baixinho a mãe do juiz?
Voltando à França e seus políticos: é tamanho o aproveitamento do êxito da seleção que o pessoal acaba acreditando em duendes. Em 1998, na esteira do título francês, as pesquisas mostraram um salto de 15 pontos percentuais no prestígio de Chirac. E de 11 pontos para Lionel Jospin, então primeiro-ministro (socialista, adversário do presidente).
Agora, quando presidente e primeiro-ministro são do mesmo grupo político, apostam em recuperar popularidade à custa de Zidane e companhia. Talvez até consigam, mas é tão efêmera que nem vale o esforço.
Basta lembrar que o Jospin dos 11 pontos a mais foi expelido do segundo turno da eleição presidencial de 2002 pelo voto no ultradiretista e fascistóide Jean-Marie Le Pen.
O primeiro-ministro Dominique de Villepin, candidato a candidato presidencial em 2007, inferiorizado no seu grupo ante o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, usa o exemplo da seleção para dar-se uma esperança: "Uma vitória [da seleção] teria sobretudo o mérito de mostrar que nem tudo está escrito antecipadamente".
Tradução: ainda posso derrotar Sarkozy. Não é melhor o blablablá dos técnicos e jogadores?


crossi@uol.com.br

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