São Paulo, terça-feira, 08 de julho de 2008

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Vendo com os ouvidos


Sucesso que os rádios de todos os tipos fazem em Arapiraca tem motivos variados, inclusive o "vistal"

VIAJADO LEITOR , rodada leitora, depois de andar 2.753 km pelas esburacadas estradas brasileiras, finalmente cheguei a Arapiraca para ver uma das partidas de abertura da Série C do Brasileiro. O jogo era ASA (Associação Sportiva Arapiraquense, para os íntimos) x Petrolina.
Eu poderia falar dos bons acarajés vendidos no estádio, da lama do gramado, do quase milagroso goleiro Genílson, do Petrolina, que defendeu até pênalti, do resultado de 1 a 0 para o time local, dos salários dos jogadores (entre R$ 1.500 e R$ 2.000, não tão ruins quanto eu esperava) ou dos torcedores-ciclistas que assistem ao jogo sobre suas bicicletas. Mas o que mais me impressionou foram os rádios. Muitos torcedores assistiram ao jogo com seus aparelhos grudados ao ouvido. Muitos mesmo. É uma mania local. Mania que já foi comum no Sul e no Sudeste, mas que hoje é exceção na parte de baixo do país.
Vi rádios de todos os tipos pelo estádio Coaracy da Mata Fonseca: pretos, prateados e coloridos, modernos e antigos, pequenos como um celular e grandes como um notebook. Alguns torcedores os escutavam bem colados ao ouvido, outros preferiam deixá-lo um tanto longe e com o volume no máximo. Mas os do lado não se incomodavam. Pegavam carona.
Os motivos para o sucesso do rádio em Arapiraca são variados. A resposta mais comum foi que, como os times mudam muito de jogador hoje em dia, só assim se pode saber o nome de quem está com a bola.
Mas houve outras, várias outras. Antonio Feliciano Sobrinho, 71, tem uma razão vital. Ou melhor, vistal. "É que os meus olhos andam meio ruins, só assim que eu sintonizo quem é quem."
Antonio Barbosa, que gastou R$ 45 num vistoso Motobras, diz que o rádio é bom porque assim ele fica sabendo o que está acontecendo nos outros jogos da rodada.
Cícero da Silva, 44, que está em seu oitavo rádio, escuta-o num tom altíssimo e grita para conversar com os que estão à sua volta. Sua explicação é que o rádio deixa o jogo mais animado, com mais emoção.
Valdir Francisco, 43, já é caso de "audiente fanaticus". É apaixonado por AM desde seu primeiro Motoradio. E mesmo agora, com um moderno aparelho, continua ouvindo rádio das 20h às 24h, todos os dias.
José Cavalcanti, 43, teoriza e diz que há dois tipos de torcedores: o que assiste aos jogos e o que acompanha futebol. Ele se considera do segundo grupo e por isso acha o rádio fundamental. Só assim ele pode acompanhar o entorno do futebol, as opiniões, quem está entrando na partida, quem está saindo, e por quê.
Em seu pequenino Livstar, Cavalcanti também gosta de ouvir entrevistas. "É para ver se os técnicos e os jogadores têm um bom retrato da partida." Porém, curiosamente, na hora daquele longo gooooool dos locutores brasileiros, ele não escuta seu aparelho. "Aí a gente está comemorando, até tira ele do ouvido."
Mas a resposta mais eloquente talvez tenha sido a de um senhor de uns 60 anos que nem quis escutar minha pergunta. Com o radinho colado ao ouvido, ele me disse: "Você me desculpe, mas agora não posso falar, viu? Tenho que escutar o que eu estou vendo".


torero@uol.com.br



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