São Paulo, Domingo, 08 de Agosto de 1999
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FUTEBOL
Para magnata que comprou o futebol do Corinthians, salário de jogadores brasileiros é mais "lógico"
"Posso aprender o futebol", diz Hicks

MARCIO AITH
de Washington

Ele não conhece todas as regras de futebol e até hoje só assistiu a jogos do esporte pela TV. Mas Thomas Hicks, 53, afirma ter certeza de que isso não vai prejudicar o time que comprou, o Corinthians, nem os negócios, no Brasil, de sua companhia, a HMTF (Hicks, Muse, Tate & Furst).
"Tenho certeza de que posso aprender as regras muito rápido", disse à Folha o principal controlador da companhia. "Além disso, os times brasileiros precisam de dinheiro, e nós temos planos para modernizar os estádios, melhorar as equipes. Seja no Brasil, no Texas ou na Europa, é preciso dinheiro para fazer isso."
Em entrevista concedida por telefone de Dallas, sede de seus negócios, Hicks disse não existir conflito de interesses entre seus vários investimentos no Brasil, que incluem a compra de uma participação acionária na Traffic (empresa que controla o Departamento de Esportes da TV Bandeirantes) e de um canal de TV por assinatura (leia texto ao lado).
"Isso é uma coisa que já fizemos no Texas. Formamos primeiro uma rede de TV a cabo e depois compramos um time de hóquei e outro de beisebol. A melhor forma de aumentar a audiência e atrair mais anúncios é melhorar os times", afirmou.
Hicks disse que sua empresa está ainda negociando a compra dos direitos sobre o futebol do Flamengo (o clube, porém, já anunciou que fechou contrato com a suíça ISL).
Segundo o magnata texano, a prioridade de sua companhia é investir na América Latina, onde os salários dos jogadores são mais baixos dos que os pagos aos astros do Texas Rangers, o time de beisebol que comprou por mais de US$ 200 milhões. Na avaliação dele, os valores praticados no Brasil são mais "lógicos".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista à Folha.

Folha - Por que o senhor comprou o Corinthians?
Thomas Hicks -
Com as experiências em investimentos esportivos que tivemos no Texas, aprendemos que o mundo esportivo é uma mídia especial. O esporte desperta paixão nas pessoas, e isso as leva a pagar para ver jogos pela TV a cabo.
Na América do Sul, essa paixão é ainda maior e por um só esporte, que é o futebol.
Acreditamos que dá para construir uma rede de canais esportivos no Brasil tendo o futebol como o foco central. Isso nos fez querer comprar um time.

Folha - Mas por que a HMTF escolheu comprar o futebol do Corinthians?
Hicks -
Porque ele é (tão popular) como o Dallas Cowboys (time de futebol americano), no Texas, e o Yankees (de beisebol), em Nova York.

Folha - Mas o senhor gosta de futebol, acompanha o esporte?
Hicks -
Bem, é um esporte que lentamente vai ficando popular nos Estados Unidos. Mas sempre me diverti ao assistir a jogos de Copas do Mundo na TV e vendo o entusiasmo com o futebol na América Latina.

Folha - O senhor conhece todas as regras do futebol? A regra do impedimento, por exemplo, sabe como funciona?
Hicks -
Não conheço todas as regras, mas sei mais agora sobre futebol do que sabia sobre hóquei quando comprei um time de hóquei. Tenho certeza de que posso aprender as regras muito rápido.

Folha - O senhor alguma vez já assistiu a um jogo de futebol no estádio? Tem planos de viajar para o Brasil e assistir a um jogo do Corinthians?
Hicks -
Meu sócio Charles Tate já foi ao Corinthians, conheceu o clube e até a sala dos troféus. Eu pretendo ir até o fim do ano.

Folha - O senhor quer comprar o Flamengo? Há uma negociação em andamento?
Hicks -
Roberto Muller, nosso representante no Brasil, tem tido várias conversas a esse respeito. Vamos ver o resultado.

Folha - Se o senhor realmente fechar o negócio com o Flamengo, não criará problemas com os torcedores dos dois times (Flamengo e Corinthians)?
Hicks -
Na prática, não estamos comprando os times. O que estamos comprando são os direitos sobre as marcas. Isso depende dos donos de fato.

Folha - Qual é a diferença entre comprar um time de futebol e um de beisebol?
Hicks -
Neste momento, beisebol é um negócio difícil porque os salários dos jogadores estão muito altos. A folha de salários dos jogadores do Texas Rangers hoje é de US$ 70 milhões ao ano. No futebol brasileiro parece haver mais lógica nos valores.

Folha - O senhor comprou o Texas Rangers do governador do Texas, George W. Bush, por cerca de US$ 200 milhões. Pelo Corinthians o senhor pagou US$ 20 milhões. Na sua opinião, esses valores estão corretos?
Hicks -
Estão. O grupo que me vendeu o Texas Rangers o havia comprado por apenas US$ 60 milhões. O que houve foi uma valorização tremenda.

Folha - O senhor comprou também a Traffic, que controla a divisão de esportes da TV Bandeirantes. Existe conflito de interesses em ser ao mesmo tempo dono de um time de futebol e de parte de uma empresa que controla as transmissões dos campeonatos de futebol na TV? Por exemplo: se o Corinthians estiver jogando mal, você tira o time do ar?
Hicks -
Não. O mais provável é que liberemos os recursos necessários para o time melhorar.
Os times brasileiros precisam de dinheiro. Nós temos planos para modernizar os estádios, melhorar as equipes. Seja no Brasil, no Texas ou na Europa, é preciso de dinheiro para fazer isso.

Folha - O senhor não vê mesmo conflito de interesses nisso?
Hicks -
Não, isso é uma coisa que já fizemos no Texas. Nós formamos primeiro uma rede de TV a cabo e depois compramos um time de hóquei e outro de beisebol. A melhor forma de aumentar a audiência e atrair mais anúncios é melhorar os times.

Folha - Quando o senhor construirá um novo estádio para o Corinthians?
Hicks -
Não tenho detalhes para comentar o assunto, mas sei que já tivemos conversas com arquitetos. Estamos comprometidos com esse objetivo.

Folha - O senhor tem planos de fazer mais investimentos no Mercosul?
Hicks -
Nós temos interesse especial na Argentina, onde fizermos grandes investimentos em TV a cabo e telefonia.
Achamos que a Argentina e o Brasil estarão no foco de nossos investimentos em futebol. Há nestes dois países o suficiente para criar algo realmente excitante.

Folha - Nos Estados Unidos, o senhor também é conhecido pelas suas ligações com o governador Bush, atual pré-candidato à presidência do país pelo Partido Republicano. Essas ligações são verdadeiras?
Hicks -
Claro que são. Eu sou um grande fã dele e sou partidário de sua candidatura.

Folha - Os democratas dizem que a venda dos Rangers por Bush ao senhor foi uma negociação suspeita por causa do alto lucro que ele teve. O senhor teria pago um valor excessivo pelo time...
Hicks -
Houve uma valorização real dos Rangers.

Folha - O senhor entrou no mercado argentino de uma maneira considerada polêmica. Comprou ações numa companhia de telecomunicações (a CEI Citicorp) que pertenciam a Raúl Moneda, um amigo do presidente Carlos Menem hoje procurado pela polícia por fraude fiscal e crime financeiro relacionados com operações de bancos. Isso não prejudica sua imagem na região?
Hicks -
Os problemas de Raúl nada têm a ver com a CEI. Foi um episódio triste para ele.
No entanto, é curioso perceber que justamente os problemas nos quais Raul se envolveu nos permitiram adquirir um controle ainda maior na companhia. Ele precisou de dinheiro, nós de ações. Agora controlamos 73% dos votos da CEI.


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