São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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Esporte desagrega espanhóis e reabre ferida separatista

Envoltos em polêmica, Catalunha e País Basco fazem jogo histórico em contraponto ao título mundial de basquete

Comercial de TV censurado em Barcelona incendeia nacionalismo, e país vê crescer sanha de autonomia esportiva das regiões

ALEC DUARTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma conquista esportiva prestigiosa como o título mundial masculino de basquete, obtido no mês passado pela Espanha, deveria servir para unir e pacificar o país. Deveria.
Mas na Espanha, onde nacionalismo e separatismo caminham divididos por uma linha tênue, o esporte virou instrumento para acirrar os ânimos.
Hoje, o país que o basquete não integrou verá, com o futebol, uma demonstração de força de regiões que há décadas clamam por independência.
Catalunha e País Basco fazem um amistoso histórico no Camp Nou 75 anos após o último confronto entre ambos.
O jogo ocorre sob a benção da Federação Espanhola de Futebol, que autoriza as regiões autônomas a entrarem em campo uma vez por ano -em 2002, por exemplo, os catalães o fizeram contra a seleção brasileira (e perderam por 3 a 1).
Não há gentileza por trás do gesto dos cartolas. E a pequena boa vontade se dissipou de vez depois da veiculação de um comercial que, durante 15 dias, colocou a Espanha de volta às suas trincheiras e provocou reações negativas até em Barcelona, capital catalã.
Na peça publicitária, um garoto vestindo a camisa da Catalunha é impedido de tomar parte numa pelada por outro, de vermelho, como o uniforme da "Fúria". O moleque só é aceito no jogo ao tirar a camiseta.
O comercial literalmente enfureceu autoridades por todo o país. O Parlamento espanhol debateu sobre seu conteúdo, mas considerou impróprio, além de perigoso, censurá-lo.
Coube a um juiz de Barcelona tomar a providência, anteontem. Sob a alegação de que o filme "incentiva a discriminação entre crianças", o comercial (bancado pelo órgão que administra o esporte catalão) teve a exibição impedida.
Como era de se esperar, a proibição esquentou ainda mais o amistoso -e a causa catalã. Torcedores prometem tirar as camisas assim que a seleção entrar no gramado hoje.
Entre os bascos, o desejo de possuir uma representação própria no futebol não é menos latente. A ponto de o chefe do governo regional, Juan José Ibarretxe, imaginar seu "país" numa Copa do Mundo.
A chama do separatismo, que o esporte ajudou a cultivar, reacendeu inesperada e surpreendentemente depois do maior triunfo da história esportiva da Espanha: o Mundial masculino de basquete, ganho no Japão.
Na Catalunha, que cedeu cinco dos 12 campeões, houve quem torcesse contra o time para não ver bandeiras espanholas em Barcelona.
O retorno do elenco, que deveria ser triunfal também para os catalães, acabou jogando uma banho de água fria no conhecido orgulho da região.
"Eu me sinto espanhol", afirmou, no desembarque, Pau Gasol, principal jogador da equipe e símbolo do esporte catalão.
Foi um escândalo. Cobrado, Gasol reformou sua declaração. "Se houvesse uma seleção catalã, eu a defenderia com prazer".
Agora, é a vez de o futebol contra-atacar. Na esteira de Gibraltar, os sonhos da Catalunha tomam forma e se projetam. Se o enclave administrado pela Grã-Bretanha no sul da Espanha se tornará membro da Uefa neste mês, por que uma seleção catalã não pode virar "oficial"?


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