|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Com jogo ágil e cerebral, pivô conquista fãs, faz ponte entre EUA e China e estrela All-Star Game
Yao!
LUÍS CURRO
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE
A Dinastia Ming está de volta.
Pelo menos no basquete, na mais
famosa e importante liga profissional do mundo, há pouco mais
de três meses é assim.
E hoje à noite, no All-Star Game
da NBA, sob os olhos de cerca de
19 mil pessoas que estarão no ginásio Phillips Arena, em Atlanta,
e cerca de 3,1 bilhões de espectadores espalhados por 212 países,
seu imperador colocará à prova a
capacidade para conquistar, ainda mais, novos seguidores.
Principalmente nos EUA, país
com pouco mais de cinco séculos
de existência, o berço da economia capitalista. E principalmente
porque a revolução que esse jogador está impondo vem da China,
nação herdeira de uma civilização
com mais de 4.000 anos de registros históricos contínuos, que
adotou o comunismo na metade
do século passado e que, cheia de
pendengas diplomáticas com os
americanos, só nos últimos anos
tem concordado em se abrir para
o investimento estrangeiro.
Yao Ming, 22, 2,26 m, 135 kg.
Desde os 9 anos, inserido no
contexto da bola-ao-cesto. Filho
único, começou a balançar as redinhas em Xangai, sua cidade natal, incentivado pelos pais, dois
ex-jogadores da seleção chinesa.
Desde outubro, o centro das
atenções na terra da melhor bola-ao-cesto do planeta. Balança agora as redinhas pelos Rockets, time
com base em Houston, cidade
que conta com duas Chinatowns.
Versus Barkley, versus Shaq
No início, muitos questionaram
a capacidade técnica de Yao, selecionado em primeiro lugar no
"draft" (escolha dos novatos) do
ano passado da NBA. É significativa a lista de gigantes "importados" que demonstraram sérias limitações em campeonatos anteriores, entre eles o sudanês Manute Bol, 2,31 m, e o romeno Gheorghe Muresan, também 2,31 m.
O ex-jogador Charles Barkley,
comentarista da rede TNT, soltou
o verbo em novembro. Disse que,
se Yao marcasse 19 pontos em
uma partida desta temporada,
beijaria as nádegas de seu colega
de TV Kenny Smith. Dias depois,
o castigo: Yao fez 20. E Smith convenceu Barkley a dar um beijo
não no traseiro dele, mas no de
um burro que havia alugado.
Humilhado, Barkley pagou a
aposta. "Sempre pensei que o chinês seria bom", justificou-se. "Só
não achava que fosse tão já."
E o público mostrou, por votação, que Barkley estava mesmo
enganado. Não era de esperar que
Yao pudesse chegar ao All-Star
Game (Jogo das Estrelas) deste
ano, só à disputa entre novatos e
segundoanistas, que seria ontem.
Porém, com a chancela de
1.286.324 votos recebidos nos ginásios e via internet, Yao desbancou Shaquille O'Neal, tricampeão
da NBA e até então uma unanimidade, e conseguiu o posto de titular da Conferência Oeste no confronto de hoje em Atlanta.
Foi a vingança contra O'Neal
(2,16 m, 153 kg), que no início do
ano, questionado sobre o que diria quando encontrasse Yao
Ming, disparou, gargalhando:
"Direi a ele: ching-chong-yang-wah-ah-son". Clara chacota ao
mandarim, idioma chinês.
Pegou mal. Um colunista de
uma publicação asiática acusou
O'Neal, que é negro, de racismo.
O pivô replicou: "A piada foi de
mau gosto. Yao é meu irmão. Se
ofendi alguém, peço desculpas."
Yao, pelo menos, não se sentiu
atingido. E até fez um convite público ao rival, chamando-o para
jantar em sua casa. Ao saber da recusa, demonstrou senso de humor: "Acho que minha geladeira
não é grande o suficiente [para
uma refeição para ambos"."
Na disputa mano a mano, haveria o tira-teima. Antes do Rockets
x Lakers disputado 23 dias atrás, o
que se viu foi um cumprimento
entre um sorridente Yao, que parecia deslumbrado, e um carrancudo e conformado O'Neal, já
ciente de que seria reserva no
ASG. Um duelo de titãs.
No corpo-a-corpo, o astro americano, 31 pontos e 13 rebotes, foi
superior. Yao registrou 10 pontos
e 10 rebotes, mas dois desses pontos vieram de uma enterrada no
final da prorrogação, que foi vencida pelo time do chinês.
Êxito na quadra e fora dela
Mas, afinal, como joga Yao?
Qual seu estilo? Por que ele é tão
especial? O que o está tornando a
mais nova muralha chinesa, só
que agora no Ocidente?
(A Muralha da China, uma das
maravilhas do mundo, foi concluída durante a Dinastia Ming
-1368-1644-, que teve 16 imperadores e recuperou para o povo
chinês um território ocupado por
invasores estrangeiros em um período de quase 400 anos.)
Yao é adepto de um basquete
solidário. Ama dar assistências.
"Para mim, a arte de passar a bola
é única. Une os companheiros."
Dentro da quadra, ágil, cerebral,
sofisticado. Sabe arremessar do
perímetro. Sabe passar a bola. E
não tem medo do embate bruto
no garrafão, apesar de preferir jogar de frente para a cesta.
Fora da quadra, paciente (quase
sempre) com a imprensa e simpático com os torcedores. Autografa
sempre em mandarim, o que fez
os Rockets receberem reclamações de fãs que tinham ganho um
pôster do atleta em tamanho real.
Diziam que alguém havia "rabiscado" o suvenir.
O estigma de Yao extrapola as
quatro linhas. Carismático, é visto
por dirigentes da NBA como o detonador que faltava para uma recuperação nos índices de público
e de audiência, além da figura que
despertará a atenção do maior
mercado consumidor do mundo,
com 1,3 bilhão de habitantes.
Entre os seus, Yao é ídolo. E a
NBA já mexeu, e mexe, seus pauzinhos. Em acordo com 12 TVs
chinesas, passará 170 partidas do
campeonato deste ano, sendo 30
dos Rockets. Criou uma versão de
seu site em mandarim. Abriu um
escritório na China. Planeja jogos
de exibição lá. Prato cheio para os
patrocinadores mostrarem suas
qualidades para uma economia
em franca expansão, no país que
abrigará os Jogos de 2008.
Da parte do Houston Rockets,
que firmou contrato com o pivô
por quatro temporadas, pagando
um total de US$ 15,6 milhões, há
mais a saber. O time leva ao ar, semanalmente, um programa de
uma hora em uma rádio local. O
idioma: mandarim, a fim de satisfazer e atrair a população asiática
local. Também fechou por seis
anos com uma marca de cerveja
chinesa, a Yanjing, agora a única
bebida importada a ser comercializada nos jogos da equipe.
E Yao vai sendo cercado por
empresas que querem associar
sua imagem à dele, trazendo muito trabalho para o Team Yao, a
turma que gere seus negócios.
Mas até agora seu estafe só permitiu que ele fizesse dois comerciais,
um para a Apple (computadores),
outro para a Visa (cartão de crédito). Até porque a NBA, 82 jogos
por time no campeonato, média
de uma exibição a cada 2,4 dias,
não oferece muito tempo livre no
calendário para suas estrelas.
Sobre o ASG de hoje, Yao sente-se "honrado" de poder participar.
"Estou feliz. É uma oportunidade
rara. Espero que não seja como
meu primeiro jogo na NBA." Em
30 de outubro, contra o Indiana
Pacers, ele zerou em pontos.
Em tempo: ming, em mandarim, quer dizer "brilhante". E Yao
vem fazendo jus ao nome.
Texto Anterior: Futebol: Milan tenta se manter em 1º no Italiano Próximo Texto: Perfil: "Bêbado", chinês é apaixonado por games e carros Índice
|