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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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Com jogo ágil e cerebral, pivô conquista fãs, faz ponte entre EUA e China e estrela All-Star Game

Yao!

LUÍS CURRO
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE

A Dinastia Ming está de volta. Pelo menos no basquete, na mais famosa e importante liga profissional do mundo, há pouco mais de três meses é assim.
E hoje à noite, no All-Star Game da NBA, sob os olhos de cerca de 19 mil pessoas que estarão no ginásio Phillips Arena, em Atlanta, e cerca de 3,1 bilhões de espectadores espalhados por 212 países, seu imperador colocará à prova a capacidade para conquistar, ainda mais, novos seguidores.
Principalmente nos EUA, país com pouco mais de cinco séculos de existência, o berço da economia capitalista. E principalmente porque a revolução que esse jogador está impondo vem da China, nação herdeira de uma civilização com mais de 4.000 anos de registros históricos contínuos, que adotou o comunismo na metade do século passado e que, cheia de pendengas diplomáticas com os americanos, só nos últimos anos tem concordado em se abrir para o investimento estrangeiro.
Yao Ming, 22, 2,26 m, 135 kg.
Desde os 9 anos, inserido no contexto da bola-ao-cesto. Filho único, começou a balançar as redinhas em Xangai, sua cidade natal, incentivado pelos pais, dois ex-jogadores da seleção chinesa.
Desde outubro, o centro das atenções na terra da melhor bola-ao-cesto do planeta. Balança agora as redinhas pelos Rockets, time com base em Houston, cidade que conta com duas Chinatowns.

Versus Barkley, versus Shaq
No início, muitos questionaram a capacidade técnica de Yao, selecionado em primeiro lugar no "draft" (escolha dos novatos) do ano passado da NBA. É significativa a lista de gigantes "importados" que demonstraram sérias limitações em campeonatos anteriores, entre eles o sudanês Manute Bol, 2,31 m, e o romeno Gheorghe Muresan, também 2,31 m.
O ex-jogador Charles Barkley, comentarista da rede TNT, soltou o verbo em novembro. Disse que, se Yao marcasse 19 pontos em uma partida desta temporada, beijaria as nádegas de seu colega de TV Kenny Smith. Dias depois, o castigo: Yao fez 20. E Smith convenceu Barkley a dar um beijo não no traseiro dele, mas no de um burro que havia alugado.
Humilhado, Barkley pagou a aposta. "Sempre pensei que o chinês seria bom", justificou-se. "Só não achava que fosse tão já."
E o público mostrou, por votação, que Barkley estava mesmo enganado. Não era de esperar que Yao pudesse chegar ao All-Star Game (Jogo das Estrelas) deste ano, só à disputa entre novatos e segundoanistas, que seria ontem.
Porém, com a chancela de 1.286.324 votos recebidos nos ginásios e via internet, Yao desbancou Shaquille O'Neal, tricampeão da NBA e até então uma unanimidade, e conseguiu o posto de titular da Conferência Oeste no confronto de hoje em Atlanta.
Foi a vingança contra O'Neal (2,16 m, 153 kg), que no início do ano, questionado sobre o que diria quando encontrasse Yao Ming, disparou, gargalhando: "Direi a ele: ching-chong-yang-wah-ah-son". Clara chacota ao mandarim, idioma chinês.
Pegou mal. Um colunista de uma publicação asiática acusou O'Neal, que é negro, de racismo. O pivô replicou: "A piada foi de mau gosto. Yao é meu irmão. Se ofendi alguém, peço desculpas."
Yao, pelo menos, não se sentiu atingido. E até fez um convite público ao rival, chamando-o para jantar em sua casa. Ao saber da recusa, demonstrou senso de humor: "Acho que minha geladeira não é grande o suficiente [para uma refeição para ambos"."
Na disputa mano a mano, haveria o tira-teima. Antes do Rockets x Lakers disputado 23 dias atrás, o que se viu foi um cumprimento entre um sorridente Yao, que parecia deslumbrado, e um carrancudo e conformado O'Neal, já ciente de que seria reserva no ASG. Um duelo de titãs.
No corpo-a-corpo, o astro americano, 31 pontos e 13 rebotes, foi superior. Yao registrou 10 pontos e 10 rebotes, mas dois desses pontos vieram de uma enterrada no final da prorrogação, que foi vencida pelo time do chinês.

Êxito na quadra e fora dela
Mas, afinal, como joga Yao? Qual seu estilo? Por que ele é tão especial? O que o está tornando a mais nova muralha chinesa, só que agora no Ocidente?
(A Muralha da China, uma das maravilhas do mundo, foi concluída durante a Dinastia Ming -1368-1644-, que teve 16 imperadores e recuperou para o povo chinês um território ocupado por invasores estrangeiros em um período de quase 400 anos.)
Yao é adepto de um basquete solidário. Ama dar assistências. "Para mim, a arte de passar a bola é única. Une os companheiros."
Dentro da quadra, ágil, cerebral, sofisticado. Sabe arremessar do perímetro. Sabe passar a bola. E não tem medo do embate bruto no garrafão, apesar de preferir jogar de frente para a cesta.
Fora da quadra, paciente (quase sempre) com a imprensa e simpático com os torcedores. Autografa sempre em mandarim, o que fez os Rockets receberem reclamações de fãs que tinham ganho um pôster do atleta em tamanho real. Diziam que alguém havia "rabiscado" o suvenir.
O estigma de Yao extrapola as quatro linhas. Carismático, é visto por dirigentes da NBA como o detonador que faltava para uma recuperação nos índices de público e de audiência, além da figura que despertará a atenção do maior mercado consumidor do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes.
Entre os seus, Yao é ídolo. E a NBA já mexeu, e mexe, seus pauzinhos. Em acordo com 12 TVs chinesas, passará 170 partidas do campeonato deste ano, sendo 30 dos Rockets. Criou uma versão de seu site em mandarim. Abriu um escritório na China. Planeja jogos de exibição lá. Prato cheio para os patrocinadores mostrarem suas qualidades para uma economia em franca expansão, no país que abrigará os Jogos de 2008.
Da parte do Houston Rockets, que firmou contrato com o pivô por quatro temporadas, pagando um total de US$ 15,6 milhões, há mais a saber. O time leva ao ar, semanalmente, um programa de uma hora em uma rádio local. O idioma: mandarim, a fim de satisfazer e atrair a população asiática local. Também fechou por seis anos com uma marca de cerveja chinesa, a Yanjing, agora a única bebida importada a ser comercializada nos jogos da equipe.
E Yao vai sendo cercado por empresas que querem associar sua imagem à dele, trazendo muito trabalho para o Team Yao, a turma que gere seus negócios. Mas até agora seu estafe só permitiu que ele fizesse dois comerciais, um para a Apple (computadores), outro para a Visa (cartão de crédito). Até porque a NBA, 82 jogos por time no campeonato, média de uma exibição a cada 2,4 dias, não oferece muito tempo livre no calendário para suas estrelas.
Sobre o ASG de hoje, Yao sente-se "honrado" de poder participar. "Estou feliz. É uma oportunidade rara. Espero que não seja como meu primeiro jogo na NBA." Em 30 de outubro, contra o Indiana Pacers, ele zerou em pontos.
Em tempo: ming, em mandarim, quer dizer "brilhante". E Yao vem fazendo jus ao nome.


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