São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2004

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FUTEBOL

Toque de bola

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

O antropólogo Roberto DaMatta já chamou a atenção para o aspecto "parlamentar" do jogo de vôlei. Nesse esporte, como se sabe, as equipes enfrentam-se a partir dos limites de dois campos opostos, separados por uma rede, não havendo contato físico. É como se os sextetos, com a possibilidade de tocar um número limitado de vezes na bola, encenassem um torneio retórico: um grupo lança seu ataque e o outro procura defender-se e rapidamente organizar uma escaramuça para responder. Esse mecanismo se sucede num longo embate, até que vence aquele que mais pontos conseguir marcar.
Bem diferente é o futebol, no qual os times avançam sobre o terreno do adversário, o contato físico é constante, e nem sempre é possível fazer gols. Num campo de grandes dimensões, ocupado por 22 jogadores, uma das maiores dificuldades é justamente coordenar a passagem da defesa para o ataque, ou seja, a tentativa de chegar à meta adversária em condições de finalizar.
Há diversas maneiras de fazer isso. Em algumas escolas européias, como a italiana, por exemplo, o passe longo -e nem sempre certeiro- é usado com mais freqüência do que no Brasil, onde se desenvolveu a tradição do toque de bola. O bom toque de bola, que para os brasileiros é sinônimo de futebol bem jogado, exige jogadores com certas qualidades técnicas. O passe, mesmo a média e curta distância, dependendo das circunstâncias, não é algo tão fácil como às vezes pode parecer.
Com a intensa globalização do futebol europeu, o uso do toque de bola vai se tornando cada vez mais comum no velho continente. Quem acompanhou a vitória do Barcelona contra o Mallorca pôde observar como o time catalão troca passes. É algo que já se tornou uma tradição, como observou o comentarista da Sportv Marcos Caetano, lembrando que não por acaso o Barça tem contado com forte influência de jogadores brasileiros e holandeses.
Um dos principais traços do técnico da seleção, Carlos Alberto Parreira, é exatamente tirar partido dessa característica de nosso futebol. Parreira transforma o toque de bola em arma tática. Com isso, tenta fazer com que seu time detenha por mais tempo a bola.
É uma estratégia inteligente, mas também perigosa. O uso abusivo do toque de bola, com o objetivo tático de retê-la, pode resultar em lentidão e perda de objetividade -como algumas seleções colombianas já demonstraram à exaustão. Acaba-se oferecendo ao adversário a chance de recompor a defesa, e o ataque torna-se mais difícil e previsível.
Para superar esse problema, Parreira conta com a capacidade individual de nossos jogadores. Não deixa de ser uma boa aposta.
É claro que a virtude, mais uma vez, está na boa dosagem. Nem o por vezes irritante vai-e-vem da bola das equipes de Parreira, nem os constantes lançamentos por cima do meio-campo de algumas esquadras européias. É preciso saber combinar os dois expedientes e utilizá-los de acordo com o ritmo que se quer imprimir ao jogo.

Crise
Não precisou mais do que um fraco Paulista para mostrar que o Corinthians está longe, mas muito longe mesmo, de ter um time competitivo. Perdeu a classificação no grupo mais fácil da competição e -pior ainda- não conseguiu convencer seus torcedores de que algum coelho sairá daquela cartola. O clube cometeu muitos erros e perdeu tempo, mas ainda pode correr atrás. O melhor a fazer é olhar para o médio e longo prazos, o que é difícil num clube de massas, sempre sob fogo cerrado de torcedores e críticos. O negócio, porém, é ter calma, traçar uma estratégia racional com Oswaldo de Oliveira, repensar as contratações, buscar os reforços ainda possíveis e torcer para isso dar resultado. Não adianta achar que um milagre vai acontecer.

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