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os primeiros passos de Dunga
Início de carreira no interior gaúcho e no Inter moldou personalidade do técnico que na terça convoca para a Copa
Arquivo MADP/Reprodução
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Dunga (dir.), no início de carreira no Internacional de Porto Alegre, posa com companheiro de time na cidade gaúcha de Carazinho
DO ENVIADO A IJUÍ E PORTO ALEGRE
Carlos Caetano Bledorn Verri tinha uma semana de vida
quando Emídio Perondi comentou com o compadre Edelceu: "Com essas pernas grossas, essa cara de preguiçoso, isso aí vai ser um dunguinha, não
vai querer saber de trabalhar".
Nos 46 anos seguintes, Dunga contrariou a previsão galhofeira do padrinho, contrariou
muita gente e, provavelmente,
vai contrariar outras mais na
terça, quando anunciar a lista
dos convocados para a Copa.
Muito do que Dunga mostrou em quase quatro anos como técnico da seleção é produto da infância no Rio Grande do
Sul. "Era chorão, briguento e
reclamão", diz o amigo da família Guto Valduga, 56, uma espécie de irmão mais velho. "Nem
ele sabia que ia tão longe, mas
sempre fez de tudo para isso."
Era impossível que Dunga
tentasse outra profissão. O avô
paterno, o pai e todos os tios
por esse lado da família jogaram futebol. Da mãe Maria,
professora, herdou a disciplina,
o respeito às regras.
Como qualquer guri de Ijuí,
passou a infância jogando bola.
O que o levou mais longe foram
a força de vontade incomum e a
ajuda das pessoas certas.
"Isso é bobagem, Dunga é um
produto dele mesmo", diz Emídio Perondi, ex-prefeito de Ijuí,
ex-deputado federal, ex-
-presidente da Federação Gaúcha de Futebol, ex-vice-presidente da CBF para a região Sul
e amigo de infância de Edelceu
Verri, que o chamou para batizar os dois filhos.
No escritório de Perondi, em
Porto Alegre, há um quadro
com uma camisa da seleção, assinada por Dunga, com a dedicatória: "A gente consegue vencer quando se convence de que,
para isso, é preciso ser gente".
Pé no chão
Os primeiros chutes e os carrinhos foram nas categorias de
base do Esporte Clube São
Luiz, o maior de Ijuí, que alterna períodos entre o profissionalismo e o amadorismo.
"Ele chegava aqui descalço,
sem camisa, só de calção, jogava o dia inteiro, no campinho ao
lado do gramado do time de cima", conta o zelador Alberi de
Amorim, 62, funcionário do
São Luiz há quase 30 anos.
Ali, Dunga foi "descoberto"
pelo técnico Valdir Aguirre,
que o levou para o Ouro Verde,
um clube amador. Com 15 anos,
Dunga jogava entre adultos.
Foi ali, diz quem conviveu
com ele, que Dunga forjou sua
personalidade futebolística.
"Quando levava bronca, resignava-se, fechava a cara e brigava mais", conta Jair Bombardieri, 52, ex-lateral-direito.
Ari Bertolo, 62, fundador e
ex-presidente do Ouro Verde,
conta que Dunga se adaptou
bem ao estilo quase militar do
clube. "Era um time amador,
mas organizado." As semelhanças com a seleção atual não são
coincidência: "Um tinha que jogar por si e pelo grupo".
Dunga um dia ousou reclamar dos uniformes, que estavam ficando velhos. "Valdir
Aguirre deu o pior par de meias
para ele e disse: "Para ti tá bom
demais". Ele ficou bravo, passou o jogo arrumando as meias,
que caíam a toda hora, mas foi
um leão", lembra Bertolo.
Rumo a Porto Alegre
Em 15 de março de 1980,
Dunga, 16, disputou sua última
partida pelo Ouro Verde. Foi a
final do Campeonato Municipal de Ijuí. Dias depois da vitória por 3 a 0 sobre o São José,
despediu-se da cidade.
A bordo do Passat cinza de
Emídio Perondi, cruzou os 400
quilômetros de Ijuí a Porto Alegre e desembarcou no Internacional, clube que terminaria de
formá-lo como jogador.
O adolescente se apresentou
ao clube acompanhado de outro garoto ijuiense, este pouco
mais velho. Paulo Roberto Wisseman havia se mudado um
ano antes para a capital, a fim
de estudar engenharia elétrica.
"Um dia, o Perondi bateu na
minha porta, com o Dunga. Pediu para eu arrumar minhas
coisas e nos levou ao Inter", relata Wisseman, hoje professor
de educação física em Ijuí.
Quem recebeu o cartola e
seus dois pupilos no Internacional foi Carlos Duran, o Martelo. Ex-craque do time vermelho nos anos 60, Duran era então supervisor de futebol.
"A gente acreditava muito
nas indicações do Perondi",
narra Duran, 74, que recebeu a
Folha numa clínica geriátrica
no bairro Menino Deus, em
Porto Alegre. "Houve uma recomendação muito forte pelo
Dunga. Pelo outro, nem tanto."
Os dois jovens foram levados
ao estádio dos Eucaliptos, hoje
abandonado, mas à época casa
das categorias de base do Inter.
Wisseman, lateral-esquerdo,
fez testes, foi reprovado e seguiu carreira em times do interior. Voltou ao clube em 1987 e
jogou a final da Copa União.
Os alojamentos das categorias de base na época não eram
como os de hoje. "Dormíamos
em colchões no chão. Comida
não faltava, mas também não
sobrava", narra João Carlos dos
Santos, 47, companheiro de
Dunga naquela época, hoje dono de um lava-rápido em Ijuí.
"A ajuda de custo que nos pagavam era algo como R$ 200
hoje", conta. Qualquer final de
semana de folga significava voltar correndo para Ijuí. "Mas o
sacrifício valia a pena."
João Carlos não vingou no
Inter. Foi dispensado, rodou
por clubes de Santa Catarina e
Paraná, hoje é árbitro da FGF e
se orgulha de ter trabalhado como auxiliar de Carlos Eugênio
Simon e Leonardo Gaciba.
Enquanto isso, Dunga deixava de ser promessa. Ganhou tudo nas divisões inferiores do
Inter e passou a frequentar seleções brasileiras de base.
Na bronca com o Inter
Em 1983, ano em que subiu
para o profissional, esteve prestes a ser dispensado pelo técnico Dino Sani. Seu nome apareceu numa lista de jogadores a
serem dispensados. O destino
seria o Brasil de Pelotas.
"Foi a única vez em que eu de
fato ajudei o Dunga", afirma
Emídio Perondi. "Entrei na sala do Arthur Dallegrave [ex-
-presidente do Inter] e disse
que ele não poderia fazer isso."
O cartola atendeu o pedido,
Dunga ficou e foi campeão
mundial sub-20 com a seleção
brasileira, no México.
De volta à cidade natal, reclamou do Inter numa entrevista
ao "Jornal da Manhã". Disse
que não se sentia valorizado pelo clube gaúcho, acusou um dirigente de embolsar parte de
seu salário e afirmou que preferia jogar no Rio ou em São Paulo. "Para me manter na vitrine."
Três meses depois, como
mostra o registro 2.720 da FGF,
teve seu contrato mudado de
"amador" para "profissional",
com ordenado de CR$ 350 mil,
dez salários mínimos da época,
o que hoje significaria R$ 5.131.
As "luvas" eram de CR$ 2 milhões, ou R$ 29.320, agora.
Carlos Duran, o supervisor
do Inter, lembra-se dos primeiros dias de Dunga como profissional. "Todo mês ele entrava
na minha sala com o contracheque, reclamando", diverte-se
Duran. "Chiava que os descontos só aumentavam e eu explicava que, quanto mais ele ganhava, maiores seriam os impostos. Já era um pão-duro."
O Internacional chegou a recusar uma proposta de um empresário italiano pelo passe de
seu volante. Mas, em 1984, o
venderia ao Corinthians, numa
transação intermediada por
Juan Figer, o mesmo empresário que o levaria a Itália, Alemanha e Japão.
(MARTÍN FERNANDEZ)
FOLHA ONLINE
Veja mais fotos das
origens de Dunga
www.folha.com.br/101276
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