São Paulo, domingo, 09 de maio de 2010

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os primeiros passos de Dunga

Início de carreira no interior gaúcho e no Inter moldou personalidade do técnico que na terça convoca para a Copa

Arquivo MADP/Reprodução
Dunga (dir.), no início de carreira no Internacional de Porto Alegre, posa com companheiro de time na cidade gaúcha de Carazinho

DO ENVIADO A IJUÍ E PORTO ALEGRE

Carlos Caetano Bledorn Verri tinha uma semana de vida quando Emídio Perondi comentou com o compadre Edelceu: "Com essas pernas grossas, essa cara de preguiçoso, isso aí vai ser um dunguinha, não vai querer saber de trabalhar".
Nos 46 anos seguintes, Dunga contrariou a previsão galhofeira do padrinho, contrariou muita gente e, provavelmente, vai contrariar outras mais na terça, quando anunciar a lista dos convocados para a Copa.
Muito do que Dunga mostrou em quase quatro anos como técnico da seleção é produto da infância no Rio Grande do Sul. "Era chorão, briguento e reclamão", diz o amigo da família Guto Valduga, 56, uma espécie de irmão mais velho. "Nem ele sabia que ia tão longe, mas sempre fez de tudo para isso." Era impossível que Dunga tentasse outra profissão. O avô paterno, o pai e todos os tios por esse lado da família jogaram futebol. Da mãe Maria, professora, herdou a disciplina, o respeito às regras.
Como qualquer guri de Ijuí, passou a infância jogando bola. O que o levou mais longe foram a força de vontade incomum e a ajuda das pessoas certas.
"Isso é bobagem, Dunga é um produto dele mesmo", diz Emídio Perondi, ex-prefeito de Ijuí, ex-deputado federal, ex- -presidente da Federação Gaúcha de Futebol, ex-vice-presidente da CBF para a região Sul e amigo de infância de Edelceu Verri, que o chamou para batizar os dois filhos.
No escritório de Perondi, em Porto Alegre, há um quadro com uma camisa da seleção, assinada por Dunga, com a dedicatória: "A gente consegue vencer quando se convence de que, para isso, é preciso ser gente".

Pé no chão
Os primeiros chutes e os carrinhos foram nas categorias de base do Esporte Clube São Luiz, o maior de Ijuí, que alterna períodos entre o profissionalismo e o amadorismo.
"Ele chegava aqui descalço, sem camisa, só de calção, jogava o dia inteiro, no campinho ao lado do gramado do time de cima", conta o zelador Alberi de Amorim, 62, funcionário do São Luiz há quase 30 anos.
Ali, Dunga foi "descoberto" pelo técnico Valdir Aguirre, que o levou para o Ouro Verde, um clube amador. Com 15 anos, Dunga jogava entre adultos.
Foi ali, diz quem conviveu com ele, que Dunga forjou sua personalidade futebolística. "Quando levava bronca, resignava-se, fechava a cara e brigava mais", conta Jair Bombardieri, 52, ex-lateral-direito.
Ari Bertolo, 62, fundador e ex-presidente do Ouro Verde, conta que Dunga se adaptou bem ao estilo quase militar do clube. "Era um time amador, mas organizado." As semelhanças com a seleção atual não são coincidência: "Um tinha que jogar por si e pelo grupo".
Dunga um dia ousou reclamar dos uniformes, que estavam ficando velhos. "Valdir Aguirre deu o pior par de meias para ele e disse: "Para ti tá bom demais". Ele ficou bravo, passou o jogo arrumando as meias, que caíam a toda hora, mas foi um leão", lembra Bertolo.

Rumo a Porto Alegre
Em 15 de março de 1980, Dunga, 16, disputou sua última partida pelo Ouro Verde. Foi a final do Campeonato Municipal de Ijuí. Dias depois da vitória por 3 a 0 sobre o São José, despediu-se da cidade.
A bordo do Passat cinza de Emídio Perondi, cruzou os 400 quilômetros de Ijuí a Porto Alegre e desembarcou no Internacional, clube que terminaria de formá-lo como jogador.
O adolescente se apresentou ao clube acompanhado de outro garoto ijuiense, este pouco mais velho. Paulo Roberto Wisseman havia se mudado um ano antes para a capital, a fim de estudar engenharia elétrica.
"Um dia, o Perondi bateu na minha porta, com o Dunga. Pediu para eu arrumar minhas coisas e nos levou ao Inter", relata Wisseman, hoje professor de educação física em Ijuí.
Quem recebeu o cartola e seus dois pupilos no Internacional foi Carlos Duran, o Martelo. Ex-craque do time vermelho nos anos 60, Duran era então supervisor de futebol.
"A gente acreditava muito nas indicações do Perondi", narra Duran, 74, que recebeu a Folha numa clínica geriátrica no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. "Houve uma recomendação muito forte pelo Dunga. Pelo outro, nem tanto."
Os dois jovens foram levados ao estádio dos Eucaliptos, hoje abandonado, mas à época casa das categorias de base do Inter.
Wisseman, lateral-esquerdo, fez testes, foi reprovado e seguiu carreira em times do interior. Voltou ao clube em 1987 e jogou a final da Copa União.
Os alojamentos das categorias de base na época não eram como os de hoje. "Dormíamos em colchões no chão. Comida não faltava, mas também não sobrava", narra João Carlos dos Santos, 47, companheiro de Dunga naquela época, hoje dono de um lava-rápido em Ijuí.
"A ajuda de custo que nos pagavam era algo como R$ 200 hoje", conta. Qualquer final de semana de folga significava voltar correndo para Ijuí. "Mas o sacrifício valia a pena."
João Carlos não vingou no Inter. Foi dispensado, rodou por clubes de Santa Catarina e Paraná, hoje é árbitro da FGF e se orgulha de ter trabalhado como auxiliar de Carlos Eugênio Simon e Leonardo Gaciba.
Enquanto isso, Dunga deixava de ser promessa. Ganhou tudo nas divisões inferiores do Inter e passou a frequentar seleções brasileiras de base.

Na bronca com o Inter
Em 1983, ano em que subiu para o profissional, esteve prestes a ser dispensado pelo técnico Dino Sani. Seu nome apareceu numa lista de jogadores a serem dispensados. O destino seria o Brasil de Pelotas.
"Foi a única vez em que eu de fato ajudei o Dunga", afirma Emídio Perondi. "Entrei na sala do Arthur Dallegrave [ex- -presidente do Inter] e disse que ele não poderia fazer isso."
O cartola atendeu o pedido, Dunga ficou e foi campeão mundial sub-20 com a seleção brasileira, no México.
De volta à cidade natal, reclamou do Inter numa entrevista ao "Jornal da Manhã". Disse que não se sentia valorizado pelo clube gaúcho, acusou um dirigente de embolsar parte de seu salário e afirmou que preferia jogar no Rio ou em São Paulo. "Para me manter na vitrine." Três meses depois, como mostra o registro 2.720 da FGF, teve seu contrato mudado de "amador" para "profissional", com ordenado de CR$ 350 mil, dez salários mínimos da época, o que hoje significaria R$ 5.131. As "luvas" eram de CR$ 2 milhões, ou R$ 29.320, agora.
Carlos Duran, o supervisor do Inter, lembra-se dos primeiros dias de Dunga como profissional. "Todo mês ele entrava na minha sala com o contracheque, reclamando", diverte-se Duran. "Chiava que os descontos só aumentavam e eu explicava que, quanto mais ele ganhava, maiores seriam os impostos. Já era um pão-duro."
O Internacional chegou a recusar uma proposta de um empresário italiano pelo passe de seu volante. Mas, em 1984, o venderia ao Corinthians, numa transação intermediada por Juan Figer, o mesmo empresário que o levaria a Itália, Alemanha e Japão. (MARTÍN FERNANDEZ)

FOLHA ONLINE

Veja mais fotos das origens de Dunga www.folha.com.br/101276


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