São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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VÔLEI
Criada para aumentar tempo de bola em jogo, posição facilita tarefa do levantador e favorece os especialistas
Com líbero, defesa vira o melhor ataque

da Reportagem Local

Em novembro de 97, pela terceira vez na década era oficializada uma modificação na regra do vôlei. A FIVB (Federação Internacional de Vôlei) permitia aos times deslocarem um de seus atletas, identificado por colete ou uniforme contrastante para uma função específica: defender e passar.
Com atletas cada dia mais fortes, temia a FIVB que o desenrolar das partidas se resumisse a quatro passos: o saque, a recepção, seguida do levantamento, e a bola posta ao chão. O líbero iria permitir defesas, aumentar a emoção e, por consequência, o interesse do público.
Pelo apresentado na Superliga, terminada há duas semanas, e no Mundial do Japão, em novembro, a FIVB errou, segundo os técnicos. No lugar das defesas, os favorecidos foram os ataques.
""Com o líbero, a bola normalmente chega em melhores condições ao levantador. Ele pode fintar muito mais, acionar mais os homens de meio e não só os pontas", explica Radamés Lattari, treinador da seleção masculina.
A Superliga masculina serve de parâmetro para esse quadro.
Na versão 97/98, o aproveitamento de defesa era de 0,35%. Nesta temporada, a primeira com o líbero, a melhora foi insignificante: 0,38%. O melhor aproveitamento foi o do Banespa, que atuou com a nova figura: defendeu em média 6,52% dos ataques.
No ataque, o aproveitamento subiu de 41% para 43,7%. No passe, fundamento que municia o ataque, o percentual de acerto subiu de 63,68% para 66,55%.
Exceto pelo Coop, de Santo André, as 12 equipes da versão masculina utilizaram líbero.
""Pela violência dos ataques, no masculino, a possibilidade de defesa que já era remota não vai mudar muito. Nesse quesito, o líbero faz mais diferença nos jogos do feminino, que sempre teve essa característica de defesa", diz Bernardo Rezende, técnico da seleção feminina, quarta no Mundial.
Os dois selecionados brasileiros atuam com líberos: no Mundial, os escolhidos para a função foram Kid, 1,96 m, e Sandra, 1,79 m, que, aliás, atua no Rexona, time dirigido por Bernardinho.
Das favoritas, no mesmo Mundial, apenas a Iugoslávia, vice-campeã masculina, não jogava com líbero. Bebeto de Freitas, técnico da campeã, a Itália, deslocou um de seus mais completos atletas, Samuelle Papi, para a função.
Como atua nas três posições de fundo de quadra -ele não é um sétimo jogador, e sim um substituto que pode entrar a qualquer momento na partida-, o que prevalece para o líbero é a técnica e a agilidade e não a altura ou a força.
Aos 28 anos, sem jamais ter passado nem pelas seleções de base, Paulinho, 1,87 m, do Telepar/Maringá, foi convocado para disputar posição com Kid (leia texto ao lado). ""Com esse tamanho, se não fosse como líbero nunca estaria na seleção", comenta Paulinho.
Radamés Lattari diz pretender que na Liga Mundial, a partir do próximo dia 29, Kid atue tanto como líbero como quanto atacante, dependendo do adversário.
O jogador, único canhoto da seleção, tenta demover Lattari da idéia de fazê-lo voltar ao ataque. ""Quero ser o melhor líbero do mundo", diz o jogador, 27, que no seu clube, o Olympikus, atua como atacante. Ele é casado com Andréa, a líbero do BCN -e eleita o melhor passe da Superliga.
""Nunca fui a favor dessa mudança. Não gosto porque quero que o atleta tenha qualidade técnica em todos os fundamentos. Agora, o jogador alto só precisa treinar ataque", reclama José Roberto Guimarães, ouro em Barcelona-92.
Eleito o melhor bloqueador do Mundial, Gustavo, 2,03 m, titular da seleção, sintetiza a tendência abominada por Guimarães. ""Para mim, o líbero é uma beleza. Não preciso mais me preocupar em treinar passe. É aprimorar o ataque e o bloqueio", diz Gustavo.
Exceto pela Ulbra-Pepsi, campeã nacional, a maioria das equipes brasileiras segue a mesma fórmula: o líbero substitui os dois meios-de-rede, justamente os com maiores deficiências de passe e defesa.
Nas finais da Superliga masculina deste ano, Jorge Schmidt, técnico do time gaúcho, deslocou o líbero para substituir os pontas. Deu um nó tático no Report-Nipomed, de Ricardo Navajas, três vezes campeão, porque, em vez de um, tinha sempre dois jogadores livres.

Falácia
A introdução do líbero, pelo menos nos bastidores do vôlei, teve outro caráter além do divulgado pela FIVB. A federação procurava um meio de manter a competitividade dos asiáticos, reconhecidos pela técnica e pela eficácia no trabalho de defesa, mas que perdera terreno num jogo de gigantes.
A média de altura da seleção japonesa no Mundial, por exemplo, era de 1,93 m contra 1,96 m do Brasil e 1,99 m da Rússia.
O próprio técnico campeão olímpico reconhece a utilidade da nova figura na seleção brasileira.
""Um dos times que mais se beneficiaram dessa figura foi o Brasil. Hoje, não temos um jogador com a eficiência que o Carlão tinha no passe em 92. Com um time ainda baixo como o nosso, que precisa jogar em velocidade, sem o passe na mão não teríamos chance", diz José Roberto Guimarães.
""Nunca vai surgir a profissão de líbero. Será sempre o baixinho, o cara que sobrou", afirma Josenildo Carvalho, ex-técnico do BCN.
""Há jogadores que nasceram para passar, esses serão bons líberos. Você observa isso no aquecimento. O líbero nato é aquele jogador que em vez de atacar sempre vai querer defender", diz Renan dal Zotto, ex-técnico do Olympikus.


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