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COPA 2006
Quando a Bola se rende à bola
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MUNIQUE
Cientistas franceses, com base em dados coletados pela Nasa, a agência espacial norte-americana, chegaram à conclusão de que a Terra é uma bola.
Formada por 12 pentágonos arredondados, eles, juntos, têm a
forma exata de uma esfera.
Pode ou não ser verdade, mas
serve ao menos para dar um
verniz de ciência ao reinado
global que a hiper-micro versão
da Terra, a bola de futebol
"+Teamgeist" começa a exercer
hoje, quando Alemanha, a anfitriã, e Costa Rica inaugurarem,
em Munique, a 18ª edição da
Copa do Mundo, às 18h locais
(13h em Brasília).
A "Espírito de Equipe" é a
produção da Adidas especial
para o torneio da Alemanha, a
cereja do bolo no gasto de US$
100 milhões que a empresa alemã de material esportivo fez
para carimbar o Mundial com
seu nome -mera fração da impressionante coleção de negócios que gira em torno da bola.
Só em apostas e só no Reino
Unido, centro mundial do jogo,
calcula-se que será investido
US$ 1,89 bilhão (cerca de R$ 4,3
bilhões) nos 64 jogos da Copa.
É mais da metade do que o governo brasileiro gastou, em
2005, para atender 8,7 milhões
de lares com o Bolsa-Família.
As apostas tornaram-se um
fator de risco a ponto de a Fifa
criar uma empresa chamada
"Early Warning" (alerta antecipado), destinada a monitorar
eventuais padrões suspeitos de
apostas, capazes de indicar tentativa de manipulação de resultados. Assim que soar o alarme,
a Fifa pode trocar de surpresa o
árbitro da partida visada.
Árbitros, aliás, parecem o elo
fraco na cadeia da bola, como
dá prova o fato de que giraram
em torno de juízes os escândalos em três dos países que mais
cultuam a esfera (Alemanha,
Brasil e Itália, donos de 11 dos
17 títulos até agora disputados).
É natural: a Fifa dobrou (para
US$ 40 mil) o salário dos árbitros, na comparação com 2002,
mas é nada perto, por exemplo,
do prêmio de US$ 390 mil que o
time da casa receberá se ganhar
a Copa (sem contar salários,
propaganda etc).
Não é nada também diante
dos portentosos negócios que
envolvem a Copa. Só pernoites
em hotéis alemães serão um
milhão no período do Mundial,
conforme reservas feitas por
turistas de 72 países.
Parece uma mini-ONU concentrada na Alemanha, mas é
um pedaço pequeno do planeta
futebol: a transmissão dos jogos atingirá 213 países, 22 a
mais do que os 191 que fazem
parte das Nações Unidas. Os espectadores no Mundial de
2002 foram 1,5 bilhão, mais que
a população da China. Neste
ano, muitos mais, porque o horário será mais favorável em todas as partes do planeta.
Com tão colossal visibilidade, é natural que a Copa seja
considerada de "alto risco" do
ponto de vista da segurança, seja pela possibilidade de ato terrorista, seja pela presumível
presença de 10 mil torcedores
que os policiais consideram
"inclinados à violência".
Vinte e um dos 64 jogos são
tidos como de "alto risco", entre eles o inaugural, mas a polícia evita revelar os outros. É natural, nesse cenário, que já tenham chegado à Alemanha 300
oficiais de polícia de 13 países,
para ajudar no controle dos fãs
mais exaltados e dos eventuais
terroristas, sem falar em 7.000
soldados do Exército e até nos
aviões de vigilância da Otan, a
aliança militar do Ocidente.
Mas, bem feitas as contas, como a Terra é redonda como
uma bola de futebol, a história
deste megaevento não será
contada pelos policiais, pelos
aviões, pelos hotéis, pela Adidas, pelos negócios, pelos apostadores ou pelos árbitros.
Será contada pelos homens
que chutarem com mais competência a "+Teamgeist" que tiver carimbada entre seus gomos o nome das duas seleções
que disputarão a final, em Berlim, no dia 9 de julho.
Converse com nove de cada
dez dos 15 mil jornalistas credenciados, e eles dirão que esses homens serão brasileiros. O
décimo será certamente da Argentina, único país, entre os
grandes, que não chega à Copa
arcado por dúvidas e/ou lesões.
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