São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2006

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COPA 2006

Quando a Bola se rende à bola

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MUNIQUE

Cientistas franceses, com base em dados coletados pela Nasa, a agência espacial norte-americana, chegaram à conclusão de que a Terra é uma bola. Formada por 12 pentágonos arredondados, eles, juntos, têm a forma exata de uma esfera.
Pode ou não ser verdade, mas serve ao menos para dar um verniz de ciência ao reinado global que a hiper-micro versão da Terra, a bola de futebol "+Teamgeist" começa a exercer hoje, quando Alemanha, a anfitriã, e Costa Rica inaugurarem, em Munique, a 18ª edição da Copa do Mundo, às 18h locais (13h em Brasília).
A "Espírito de Equipe" é a produção da Adidas especial para o torneio da Alemanha, a cereja do bolo no gasto de US$ 100 milhões que a empresa alemã de material esportivo fez para carimbar o Mundial com seu nome -mera fração da impressionante coleção de negócios que gira em torno da bola.
Só em apostas e só no Reino Unido, centro mundial do jogo, calcula-se que será investido US$ 1,89 bilhão (cerca de R$ 4,3 bilhões) nos 64 jogos da Copa. É mais da metade do que o governo brasileiro gastou, em 2005, para atender 8,7 milhões de lares com o Bolsa-Família.
As apostas tornaram-se um fator de risco a ponto de a Fifa criar uma empresa chamada "Early Warning" (alerta antecipado), destinada a monitorar eventuais padrões suspeitos de apostas, capazes de indicar tentativa de manipulação de resultados. Assim que soar o alarme, a Fifa pode trocar de surpresa o árbitro da partida visada.
Árbitros, aliás, parecem o elo fraco na cadeia da bola, como dá prova o fato de que giraram em torno de juízes os escândalos em três dos países que mais cultuam a esfera (Alemanha, Brasil e Itália, donos de 11 dos 17 títulos até agora disputados). É natural: a Fifa dobrou (para US$ 40 mil) o salário dos árbitros, na comparação com 2002, mas é nada perto, por exemplo, do prêmio de US$ 390 mil que o time da casa receberá se ganhar a Copa (sem contar salários, propaganda etc).
Não é nada também diante dos portentosos negócios que envolvem a Copa. Só pernoites em hotéis alemães serão um milhão no período do Mundial, conforme reservas feitas por turistas de 72 países.
Parece uma mini-ONU concentrada na Alemanha, mas é um pedaço pequeno do planeta futebol: a transmissão dos jogos atingirá 213 países, 22 a mais do que os 191 que fazem parte das Nações Unidas. Os espectadores no Mundial de 2002 foram 1,5 bilhão, mais que a população da China. Neste ano, muitos mais, porque o horário será mais favorável em todas as partes do planeta.
Com tão colossal visibilidade, é natural que a Copa seja considerada de "alto risco" do ponto de vista da segurança, seja pela possibilidade de ato terrorista, seja pela presumível presença de 10 mil torcedores que os policiais consideram "inclinados à violência".
Vinte e um dos 64 jogos são tidos como de "alto risco", entre eles o inaugural, mas a polícia evita revelar os outros. É natural, nesse cenário, que já tenham chegado à Alemanha 300 oficiais de polícia de 13 países, para ajudar no controle dos fãs mais exaltados e dos eventuais terroristas, sem falar em 7.000 soldados do Exército e até nos aviões de vigilância da Otan, a aliança militar do Ocidente.
Mas, bem feitas as contas, como a Terra é redonda como uma bola de futebol, a história deste megaevento não será contada pelos policiais, pelos aviões, pelos hotéis, pela Adidas, pelos negócios, pelos apostadores ou pelos árbitros.
Será contada pelos homens que chutarem com mais competência a "+Teamgeist" que tiver carimbada entre seus gomos o nome das duas seleções que disputarão a final, em Berlim, no dia 9 de julho.
Converse com nove de cada dez dos 15 mil jornalistas credenciados, e eles dirão que esses homens serão brasileiros. O décimo será certamente da Argentina, único país, entre os grandes, que não chega à Copa arcado por dúvidas e/ou lesões.


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