São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2010

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Visitantes temem estupro e Aids

África do Sul é recordista mundial de soropositivos e famosa por crimes de violência sexual

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A JOHANNESBURGO

Francine Dobb, 28, está no bar de um hotel três estrelas em Sandton, o centro financeiro de Johannesburgo. Ela solta um "oulalaaaa!" animado quando Robinho, na televisão, marca um gol. Tenta chamar a atenção de um jornalista que toma cerveja, olhos cravados no celular.
Francine chegou na segunda-feira do Congo, com uma missão: faturar alto durante a Copa. Prostituta, pretende disputar com outras 40 mil colegas os intervalos entre os jogos dos 450 mil torcedores estrangeiros que a África do Sul deve receber.
No Congo, Francine tem dois filhos. Mora em uma vila vizinha da fronteira com Ruanda, o país que, em dez dias de 1994, presenciou o genocídio de 800 mil pessoas. Com uma tragédia vivida tão de perto, a moça negra não deveria temer a violência de uma cidade moderna como é Johannesburgo.
"Tenho medo, sim. Não ando sozinha na rua à noite por nada deste mundo", diz.
O medo de Francine tem duas cabeças: a má fama da cidade, pela fartura de casos de estupro, e o fato de a África do Sul contabilizar 5 milhões de soropositivos com HIV, recorde mundial.
"Já escapei de muita coisa para querer, agora, sofrer com isso." Ela jura não ser portadora do vírus da Aids.
Para reduzir o impacto na saúde pública dessa hiperconcentração de prostitutas (locais e importadas) com torcedores de futebol, o Ministério da Saúde sul-africano pretende distribuir 1 bilhão de preservativos neste ano. É o dobro do que o país consome normalmente.
A diferença ficará por conta do apetite sexual dos torcedores da Copa.
"O problema é que estuprador não usa preservativos neste país", diz Okoh Ukpere, 30, missionário da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
O religioso faz campanha para que seu rebanho evite ao máximo andar pelas ruas quando jogarem as seleções sul-africana ou brasileira, de longe a mais querida ali.
A dois dias da abertura dos jogos, o Hospital Chris Hani Baragwanath, que fica em Soweto, tinha ontem um congestionamento de macas na entrada da emergência, à espera de tratamento. Viam-se em vários pacientes os sinais claros do avanço da Aids.
O funcionário Nkosiyethu disse à Folha que o hospital, o maior do país, com quase 4.000 leitos, está lotado. "Nosso maior receio é que o setor de emergência fique mais sobrecarregado. Com os jogos, o pessoal bebe mais e sai fazendo loucuras por aí."
Na África do Sul, a frase adquire um tom mais sério: pesquisa divulgada em 2009, em que se entrevistaram 1.738 homens (de todos os grupos raciais, faixas de renda, moradores de áreas rurais e urbanas), mostrou que um em cada quatro já tinha cometido um estupro. Desses, 46% atacaram mulheres mais de uma vez.
Francine promete que ficará no bar do hotel.


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