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Visitantes temem estupro e Aids
África do Sul é recordista mundial de soropositivos e famosa por crimes de violência sexual
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A JOHANNESBURGO
Francine Dobb, 28, está no
bar de um hotel três estrelas
em Sandton, o centro financeiro de Johannesburgo. Ela
solta um "oulalaaaa!" animado quando Robinho, na
televisão, marca um gol. Tenta chamar a atenção de um
jornalista que toma cerveja,
olhos cravados no celular.
Francine chegou na segunda-feira do Congo, com
uma missão: faturar alto durante a Copa. Prostituta, pretende disputar com outras 40
mil colegas os intervalos entre os jogos dos 450 mil torcedores estrangeiros que a África do Sul deve receber.
No Congo, Francine tem
dois filhos. Mora em uma vila
vizinha da fronteira com
Ruanda, o país que, em dez
dias de 1994, presenciou o
genocídio de 800 mil pessoas. Com uma tragédia vivida tão de perto, a moça negra
não deveria temer a violência
de uma cidade moderna como é Johannesburgo.
"Tenho medo, sim. Não
ando sozinha na rua à noite
por nada deste mundo", diz.
O medo de Francine tem
duas cabeças: a má fama da
cidade, pela fartura de casos
de estupro, e o fato de a África do Sul contabilizar 5 milhões de soropositivos com
HIV, recorde mundial.
"Já escapei de muita coisa
para querer, agora, sofrer
com isso." Ela jura não ser
portadora do vírus da Aids.
Para reduzir o impacto na
saúde pública dessa hiperconcentração de prostitutas
(locais e importadas) com
torcedores de futebol, o Ministério da Saúde sul-africano pretende distribuir 1 bilhão de preservativos neste
ano. É o dobro do que o país
consome normalmente.
A diferença ficará por conta do apetite sexual dos torcedores da Copa.
"O problema é que estuprador não usa preservativos
neste país", diz Okoh Ukpere, 30, missionário da Igreja
Adventista do Sétimo Dia.
O religioso faz campanha
para que seu rebanho evite
ao máximo andar pelas ruas
quando jogarem as seleções
sul-africana ou brasileira, de
longe a mais querida ali.
A dois dias da abertura dos
jogos, o Hospital Chris Hani
Baragwanath, que fica em
Soweto, tinha ontem um congestionamento de macas na
entrada da emergência, à espera de tratamento. Viam-se
em vários pacientes os sinais
claros do avanço da Aids.
O funcionário Nkosiyethu
disse à Folha que o hospital,
o maior do país, com quase
4.000 leitos, está lotado.
"Nosso maior receio é que o
setor de emergência fique
mais sobrecarregado. Com os
jogos, o pessoal bebe mais e
sai fazendo loucuras por aí."
Na África do Sul, a frase
adquire um tom mais sério:
pesquisa divulgada em 2009,
em que se entrevistaram
1.738 homens (de todos os
grupos raciais, faixas de renda, moradores de áreas rurais e urbanas), mostrou que
um em cada quatro já tinha
cometido um estupro. Desses, 46% atacaram mulheres
mais de uma vez.
Francine promete que ficará no bar do hotel.
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