São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2008

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GUERRA FRIA

CHINA>>Raul Juste Lores

Reciclagem do passado

A PARAFERNÁLIA foi "high-tech", mas o conteúdo da cerimônia de abertura da Olimpíada de Pequim foi absolutamente retrô.
Em plena emergência econômica da superpotência, a China quis se reafirmar por meio de seu passado. Depois dos excessos da Revolução Cultural, que tentou exterminar qualquer vestígio da China pré-comunista, a festa de abertura mostrou que o atual regime se orgulha da China antiga.
O currículo criativo do país é extenso: os chineses criaram a pólvora, a pipa, os fogos de artifício, o papel, a tipografia e o aparelho que depois se tornou a bússola - todos lembrados durante a cerimônia de ontem.
Teve tai chi, Muralha da China, soldados de terracota, Ópera de Pequim.
Mas, sem exceção, tudo isso tem mais de 500 anos de idade. Tirando os deslocados astronautas e a citação ao próprio estádio "ninho de passarinho" (desenhado por arquitetos suíços ignorados na festa), o que há de realmente novo na China, além dos adereços?
A China atual, apesar do nacionalismo crescente, pegou emprestados modelo econômico, urbanismo e estilos de vida calcados no Ocidente. Parecer e viver como um ocidental é considerado aqui sinal de progresso. O país amargou decadência enquanto se isolou, sorte dela ter se aberto para o mundo em um momento oportuno.
Mas a abertura econômica não foi levada aos campos político e cultural - aí, a China continua o país fechado de sempre. E isso se notou ontem com as formações tipicamente militares, a torcida ensaiada até o último grito, a música monótona e antiquada, a ausência de vários artistas estrangeiros.
Em um país em que a censura reprime a ousadia, em que o governo controla tudo e todos, em que ter amizades no governo é bem mais importante que talento, não sei se daria para ser diferente. Na superfície, a festa foi moderna, mas a substância foi de passado reciclado.


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