São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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JOSÉ GERALDO COUTO

Retrato do Brasil

COMO EM todo clássico, conforme reza a frase feita, tudo pode acontecer amanhã no Morumbi no confronto entre o São Paulo e o Corinthians.
Embora estejam em extremos opostos da tabela de classificação, os dois rivais mais ou menos se equivalem em termos de qualidade do elenco, competência do treinador, tradição, camisa etc. etc.
Fora do campo, porém, quanta diferença! Os dois clubes não poderiam ser mais contrastantes no que se refere à estrutura, à administração e à estratégia de longo prazo.
O tricolor vem se mantendo há décadas no topo (ou pelo menos em posições razoáveis) dos torneios que disputa graças a uma gestão mais democrática e moderna que a da quase totalidade dos times do país, verdadeiros feudos em que se encastela o que há de pior na política nacional, a saber: autoritarismo, corrupção, clientelismo e ignorância.
O alvinegro também conquistou muitos títulos no período (com destaque para quatro brasileiros e um Mundial da Fifa), mas teve uma trajetória muito mais instável e conturbada. Uma maneira simplista de explicar isso seria dizer que tudo o que diz respeito ao Corinthians está envolvido na passionalidade cega de seus torcedores.
Eu mesmo já escrevi algo parecido: ser corintiano é caminhar sempre na corda bamba, sem saber se o time será campeão ou lanterna. Não é à toa que um dos cantos mais famosos da torcida diz, com orgulho: "Sou corintiano, maloqueiro e sofredor, graças a Deus".


A esperança dos corintianos na linha dura de Leão é análoga à nostalgia de uma ditadura que "endireite" o país

Pois bem, isso tem um lado muito bonito, mas tem também sua face sombria, que reflete o amadorismo, a politicagem e o improviso reinantes na gestão do clube.
Há simbiose entre a paixão do torcedor e o destrambelhamento da direção corintiana. A torcida se move espasmodicamente pelo ódio a um bode expiatório ou pela esperança num messias salvador. Sem meio-termo. A nação corintiana é uma espécie de versão concentrada da nação brasileira. Os brasileiros, coletivamente, parecem estar sempre esperando que alguém venha resolver seus problemas e levar o país ao Primeiro Mundo de modo indolor e sem escalas, prescindindo da necessidade do esforço, da reflexão, do planejamento e do aprendizado.
Assim também são os corintianos. Acreditaram que o dinheiro da MSI tinha caído do céu, sem necessidade de contrapartida. Agora acreditam que Leão, com sua linha dura, seu moralismo e sua grosseira xenofobia, vai colocar tudo nos eixos, punindo os astros indolentes e forjando um time "cascudo".
Até nisso os alvinegros ecoam muitos brasileiros desorientados, que a cada crise suspiram pela volta de um ditador que ponha ordem no terreiro, banindo a roubalheira e a vagabundagem a golpes de cassetete e atos institucionais. O hino corintiano é sincero quando diz: "És do Brasil o clube mais brasileiro".

ESTUPIDEZ
Existe algo mais estúpido do que dois grupos de jovens trocarem tiros e bordoadas só porque uns vestem branco e preto e os outros, branco, verde e vermelho? Pois foi isso o que ocorreu anteontem no bairro carioca do Méier, com o saldo de um morto e vários feridos. Há quem diga que a briga tinha a ver com futebol, mas não acredito. Até porque quem brincou de guerra não viu Botafogo 1 x 1 Fluminense.

CREPÚSCULO DO ÍDOLO
É comovente a dificuldade que Romário tem de pendurar as chuteiras. Agora ele diz que há "99%" de possibilidade de se aposentar no fim do ano. O 1% que ele deixa entreaberto é a fresta para o sonho de seguir jogando indefinidamente. Todo crepúsculo é belo e melancólico. O de Romário, por duas décadas o dono da área, não é diferente.

jgcouto@uol.com.br


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