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roupa suja
"Eles vão comprar para lavar dinheiro"
Gravações mostram como funcionava
a parceria entre o Corinthians e a MSI
JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA
Por mais que pareça ficção, o
que se lerá aqui é uma história
verídica, repleta de cenas de intrigas, mentiras, ciúmes entre
homens, deslizes, traições,
ameaças e até um romance com
final feliz, passando por gabinetes bem próximos ao do presidente da República, no Palácio
do Planalto, além de seu próprio gabinete.
Tudo gravado, com autorização judicial, pela Polícia Federal, e resumido em um relatório
do órgão, de 72 páginas, a que a
Folha e a revista eletrônica
"Terra Magazine" tiveram
acesso, como, ao menos, um
dos advogados de pessoa citada.
E a história tem nome, como
é habitual nas ações da Polícia
Federal: Operação Perestroika.
O mote foi a parceria Corinthians/MSI.
Tudo começa com uma conversa entre Kia Joorabchian e o
jogador Ricardinho, na qual o
atleta é informado que "conforme combinaram, o dinheiro vai
ser pago hoje, mas que acha que
só vai ser creditado amanhã,
pois está pagando fora do país".
Ricardinho, então, pergunta
se será avisado do crédito, e
Joorabchian diz que sim ao pedir que ele fale com o advogado
da parceria, Alexandre Verri,
"para confirmar a transação".
Joorabchian informa que o
crédito é de US$ 1,144 milhão.
Quantias dessas são o que há
de mais comum nas conversas.
No dia 14 de agosto de 2006,
por exemplo, às 12h16, a noiva
de Joorabchian, a advogada Tatiana Alonso, informa ao homem do futebol da parceria,
Paulo Angioni, que conversou
com o noivo e este disse que só
poderia dar R$ 400 mil por mês
para o técnico Emerson Leão, o
que derruba a versão de que a
MSI não participou da transação por não concordar com ela.
Pouco menos de uma hora
depois, Angioni liga para Tatiana e conta que Alberto Dualib
se comprometeu a pagar a diferença de R$ 100 mil com dinheiro da Federação Paulista.
E, ainda no mesmo dia, Angioni diz a Renato Duprat que
Leão pediu R$ 3 milhões no ato
da contratação, o mesmo valor
dali a um ano e mais R$ 1 milhão se classificar o Corinthians para a Libertadores.
Duprat, por sinal, como se
verá, não será coadjuvante neste enredo, e impressionará pela
capacidade de ludibriar.
No mesmo dia 14, sem que
uma coisa tenha a ver com a outra, Angioni diz para Duprat
que o meia-atacante Marcelinho tem que sair do clube e Duprat informa que já acertou a
saída dele com Boris Berezovski. Fica claro que, embora também alardeasse ser contrária à
contratação do jogador, era a
MSI quem pagava o salário e os
direitos de imagem dele.
No dia seguinte, 15, Angioni
relata que a FPF antecipará R$
2 milhões para pagar Leão a título de empréstimo que será
pago apenas no ano seguinte.
Já no dia 21, Angioni comunica a Nojan Bedroud, diretor da
MSI, que "está deixando a empresa, porque prefere trabalhar
com Kia fora do Corinthians".
Dinheiro, por dentro, por fora, emprestado.
Dinheiro que leva Gisele, ex-mulher de Carlos Alberto, que
hoje está no futebol alemão, a
deixar uma ameaça gravada em
seu celular, exatamente às
11h10 do dia 5 de setembro, dizendo que "vai abrir a boca sobre o depósito do salário que é
feito metade aqui e metade na
Suíça". E garante ter comprovante em mãos.
Enquanto isso, de Londres,
repetidas vezes Duprat fala
com Dualib e promete não só
resolver rapidamente o envio
de dinheiro para pagar as contas do clube como a própria sucessão de Joorabchian na MSI,
além de garantir que falta pouco para legalizar a entrada de
Berezovski no Brasil.
Mas o agosto alvinegro segue.
No dia 26, Joorabchian diz
para a noiva que Berezovski
considera Leão um "idiota" e
que o Corinthians é "uma bagunça política".
Impaciente, Tatiana diz ao
noivo que eles estão trabalhando muito no Brasil e que Berezovski está brincando com a vida deles. E apela para que ele
saia "dessa bagunça, abandone
essa merda".
Setembro chega, mas a crise
permanece.
O casal Kia/Tatiana volta a se
falar no dia primeiro e ele se
queixa de que o jornal "Financial Times" noticiou seu interesse pela compra do West
Ham, o que nega: "Apenas pusemos o Tevez e o Mascherano
lá porque não tínhamos outra
opção", explica, para ouvir de
volta "que talvez isso seja um
aviso, não quero passar em
Londres pelo que estamos passando no Brasil, vamos tocar os
negócios do seu pai, porque o
Boris é um bilionário, não faz
nada na vida, só besteiras, que
nem consegue avaliar as conseqüências de suas intervenções
idiotas, porque sabe que nada o
atinge, diferentemente deles
(Tatiana e Kia), pessoas normais, com empregos normais".
Joorabchian concorda e conta que discutiu com Berezovski
num restaurante e disse a ele
"não ter bilhões nem ter escolhido a vida política".
De Londres, Dualib reclama
de falta de dinheiro e manifesta
preocupação, no dia 25, ao dizer que a conta do hotel vai ser
de "100 pau" e que "100 pau",
no cartão dele, "na hora" o imposto de renda pega.
Desde o "escândalo Ivens
Mendes" que o presidente corintiano parece ter problemas
com o "um-zero-zero"...
Só que os problemas do futebol brasileiro parecem coisa de
criança quando confrontados
com os dos parceiros que o Corinthians arrumou, sem nem
ter a desculpa de que não sabia
com quem estava se metendo.
Exemplo disso é o diálogo entre Dualib e Duprat, no dia 8 de
outubro, precisamente às
17h52, o primeiro em Londres,
o segundo em São Paulo.
Duprat revela que o "pessoal
de Badri Patarkatsishvili (o empresário georgiano sócio de Berezovski) está preocupado com
a situação na Geórgia e que ele
está mandando toda sua família para Londres".
Dualib aconselha que ele saia
da Geórgia, "antes que o matem" e acrescenta que Andrés
Sanches, que se apresenta como líder da oposição no clube,
"está sabendo o que falar na Federal, porque depois da nota
oficial da MSI que desmente a
participação de Berezovski na
parceria, ninguém mais pode
falar em Boris, o Boris acabou,
tá fora e se ele (Andrés) falar o
que o Boris é, fode com tudo".
Duprat concorda: "Boris não
é, é o Badri que é".
Exatos 48 minutos depois
dessa conversa, Sanches quer
saber o que Dualib e Nesi Curi,
vice-presidente do Corinthians, vão falar na PF, para que
ele também fale.
Dualib então revela que pedirá adiamento do depoimento e
que Sanches deve fazer o mesmo porque é preciso saber antes, com o pessoal em Londres,
o que foi que Berezovski disse
em seu depoimento quando detido em São Paulo.
Sanches topa e acrescenta
que mandará seu advogado
tentar o adiamento. "Vou falar
o que vocês falarem."
Estranhamente, Dualib encerra a ligação com o comentário: "Quem acompanhou o depoimento do Berezovski foi o
Duprat, e eu não estou conseguindo falar com ele"... De fato,
ninguém confia em ninguém.
Tanto que, em seguida, Dualib volta a falar com Duprat para informá-lo do que conversara com Sanches. Duprat o aconselha a não confiar nele, e Dualib argumenta que, "se ele foi
chamado, é porque também está envolvido".
E pede que "Londres fale
com Marco Polo Del Nero"
(presidente da FPF e advogado) para que todos recebam a
mesma orientação. Duprat
promete falar com Marco Polo.
Entre tantas angústias, a falta de dinheiro continua.
No dia 10 de outubro, Curi
pergunta a Duprat se o dinheiro já chegou, e ele diz que o assunto está sendo discutido naquele momento, que Berezovski está na sua frente. Curi fala
para Duprat cobrá-lo porque
ele prometera o dinheiro imediatamente, mas o próprio explica que "quem manda dinheiro é o Badri, não o Boris", e que
Badri está por chegar.
São inúmeras, mais de vinte,
as conversas semelhantes entre Duprat e a direção corintiana, sem que o dinheiro apareça.
E ainda não se chegou à novela sobre como Berezovski entraria no Brasil, outra vez com
Duprat intermediando.
O fim da novela é conhecido:
Berezovski não veio e está, assim como Joorabchian, com
mandado de prisão e acusado
de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, a exemplo
do que acontece, em relação
aos dois últimos itens, com
Dualib, Curi, Duprat, Angioni e
Verri, o advogado da parceria,
do escritório Veirano, o mesmo
de Tatiana Alonso, agora esposa de Joorabchian.
Mas os capítulos da novela
são também interessantes e serão contados mais adiante.
No dia 12 de outubro, Duprat
conversa com alguém não identificado e diz que "parece que
Verri entregou tudo, fez um estrago em seu depoimento, que a
PF até ficou surpresa com tanta
informação, parece até que ele
quer ferrar o Kia, que ele mostrou direitinho como é a operação, como vem de fora".
Duprat ainda opina que "a
única coisa que parece irregular é a compra de jogadores e
que sabe pelo Dualib que o Corinthians tem uma conta em
Nova York ainda do tempo da
parceria com a Hicks&Muse".
Ao ser perguntado se sabe
quem é que está no inquérito,
Duprat responde que é "o Protógenes, o mesmo da outra
vez", referência ao delegado da
PF, Protógenes Queiroz.
E, na mesma conversa, Duprat comenta que Dualib despediu o filho do Grondona (Julio Grondona, presidente da
Associação de Futebol da Argentina e vice-presidente da Fifa), "que é o cara responsável
pela fiscalização de lavagem de
dinheiro na Fifa, o que causou
mal-estar quando a PF foi à Fifa
e mandaram falar exatamente
com o Grondona, que até foi
questionado por ser o responsável por essa área e o filho estar envolvido com o Corinthians". Duprat acha que Joorabchian pôs, "estrategicamente", o Grondoninha no clube.
Paralelamente a tudo isso,
outra história se desenrolou -
ou não se desenrolou -, a de
Nilmar, tão enrolada como as
demais, razão pela qual o leitor
será poupado dela.
Porque melhor é a nova conversa mantida entre Dualib e
Duprat, no dia 16 de outubro.
O cartola pergunta se "é para
manter o discurso mentiroso
sobre o Boris, que ele não tem
nada a ver, que é tudo com o Badri?". Duprat ri e diz que "tem
de falar a verdade, que o Boris
nada tem a ver com a MSI".
Daí, o Flamengo aparece.
Joorabchian, no dia 31 de outubro, determina que Angioni
fale com Verri para que este explique como será a entrada deles no clube carioca depois de
ouvir que "o Flamengo quer
abrir as portas para Kia".
""Só preciso de um mês para
terminar tudo com o Corinthians e começar a investir no
Flamengo". Novela curta, minissérie, porque logo acabou.
No dia anterior, ao receber
nova cobrança de envio de dinheiro, Duprat diz a Dualib que
"o problema é em Londres,
porque eles não têm em nome
de quem mandar".
Na verdade, não dá para acreditar numa só palavra dele.
Nem mesmo quando, aparentemente com sensatez,
aconselha Dualib a não brigar
com Curi, "pois não é hora". Só
que Dualib está indignado ao
telefone neste dia 23 de novembro, "porque ele não pode fazer
o que está fazendo, chamando
minha neta de ladra, porque tirei notas, de 14 anos para cá, para poder livrar a cara do Nesi da
investigação e se não tivesse
feito isso ele estaria enrolado
juntamente com o Mello" (Carlos Roberto Mello, ex-vice-presidente de finanças do clube).
Novembro termina, dezembro começa, e tudo na mesma.
No dia 3, Duprat diz a Curi
que contratou o centroavante
Borges, no Japão. O jogador, de
fato, veio do futebol japonês,
mas para o São Paulo.
No dia 6, Curi diz a Duprat
que todas as contratações estão
sendo desmentidas na imprensa, e Duprat afiança que mandará muito dinheiro a partir do
dia 15. "Primeiro, um dinheiro
para cobrir o déficit; depois
mais US$ 5 milhões e depois
mais US$ 10 milhões." E começa a falar sobre a contratação de
Cícero, meia do Figueirense.
Este acabou no Fluminense.
Um pouco depois, no mesmo
dia, é Dualib quem cobra Duprat ao dizer que precisa de ao
menos US$ 1 milhão. Duprat
responde que será esse o valor e
que o mandará "amanhã".
No dia 22, às 10h01, Duprat
voa mais alto. A um interlocutor não-identificado, diz que
"eles vão comprar mais quatro
clubes no Brasil para lavar dinheiro" e diz "que o russo agora
é o dono da Varig".
Berezovski, é verdade, quis,
mas não comprou. Chegaremos nisso daqui a pouco.
Uma semana depois, Duprat
fala a alguém não identificado
que é contra o empréstimo do
lateral Coelho para o Galo,
"porque existe algum esquema
entre o Kia, o Nesi e o Atlético".
Coelho, como sabem até as
montanhas das Alterosas, é hoje jogador atleticano.
Mas Duprat não desiste, Duprat insiste, está em todas.
E em conversa com um dos
vice-presidentes do Corinthians, Jorge Kalil, manifesta
sua surpresa com o fato de a
Unimed querer Carlos Alberto
emprestado e pagando tudo,
salário e direito de imagem.
"Como é que um plano de saúde tira dinheiro do caixa para
pagar empréstimo de jogador?", pergunta, provavelmente pela sua experiência com a
falida Unicór, que fez papel semelhante no Santos e quebrou.
No mesmo diálogo, Duprat
diz a Kalil que Carla, a neta do
presidente, prefere ele, Kalil,
como laranja do avô, a Edgard
Soares, outro vice de Dualib.
O clima esquenta.
Curi diz a Duprat que "está
arranjando uns guardas para
bater em Martinez" (diretor de
futsal do clube) e pergunta se
Berezovski vem mesmo ao Brasil. Duprat diz que sim, "mas, se
ele não vier, já tenho outro judeu", responde, e acrescenta
que está tentando pegar Robinho emprestado.
Não é incrível que alguém
pudesse acreditar?
Então, esquentam as negociações para Berezovski vir.
Dualib garante num diálogo
com Curi que Duprat já acertou
tudo com Brasília.
Nesi garante que "aquela
mulher gorda estava atrapalhando", e Dualib a identifica
como Clara Arnt, "da ala radical
do PT e contra o Boris".
Ela, secretária pessoal de Lula, confirma: "Fui contra sim
que o presidente o recebesse".
Curi acrescenta que o Lula
teria gostado da visita deles,
mas que é bom não comentar
nada sobre o fato de terem ido
falar sobre o Boris, para que
ninguém mais trabalhe contra.
Sim, Dualib, Curi e Duprat
estiveram com o presidente da
República e pediram que ele se
esforçasse para eliminar as barreiras que impediam a entrada
do bilionário russo no Brasil.
Numa cena constrangedora,
Curi até pediu que Lula ligasse
na frente deles para Berezovski, sem ser atendido, segundo
relata Gilberto Carvalho, chefe
de gabinete da Presidência, ouvido sobre o episódio.
"A pedido da direção do Corinthians, nos limitamos a ver
se era possível conseguir a extensão do asilo político dele na
Inglaterra para o Brasil e não
sabíamos sobre o russo o que
sabemos hoje. Agora temos tratado de extradição com a Rússia, e é impensável tê-lo aqui.
Além do mais, vi Duprat apenas
na audiência com o presidente
e jamais falei com ele sobre
qualquer assunto depois disso",
garante, embora confirme que
houve gestões do jornalista
Breno Altman, ligado ao ex-ministro José Dirceu e ao ministério da Justiça.
Altman chegou a viajar para a
Europa para se encontrar com
Berezovski e, quando da primeira vinda do russo ao Brasil,
organizou reuniões para ele.
A justificativa é simples: o
russo queria investir no Brasil
em estádios, biodiesel, etanol
etc e estava até disposto a passar parte do ano por aqui. Dono
de uma fortuna avaliada em
US$ 4 bilhões, Berezovski mobilizou vários segmentos, aí incluída a Assembléia Legislativa
de São Paulo, por intermédio
do deputado estadual petista,
Vicente Cândido, um dos articuladores, segundo ele mesmo,
sempre em nome de Dirceu, da
frustrada vinda do bilionário.
Mas a Operação Perestroika
traz de volta o mesmo nome de
um velho personagem da corrupção no futebol brasileiro.
Em 1982 a revista "Placar"
desvendou um esquema de manipulação de resultados dos jogos da Loteria Esportiva, no
que ficou conhecido como a
"Máfia da Loteria". Era um jornalista cearense de nome Flávio Moreira, que trabalhava na
agência Sport Press, quem escolhia os 13 jogos da Loteca.
Descobriu-se que ele fazia a
escolha de acordo com os grupos que manipulavam os resultados pelo país afora.
Pois é um tal Flávio Moreira
quem procura Duprat, segundo
o relatório da PF, para oferecer
seus serviços para "classificar"
o Corinthians no Campeonato
Paulista, nega-se a falar mais
pelo telefone e manda tirar
suas referências com Paulo Pelaipe, diretor do Grêmio.
Duprat o dispensa, e a conversa não evolui ou não tem novos registros nas escutas da PF.
Uma fonte ouvida pela reportagem garante que Flávio Moreira é Flávio Moreira.
O fim desta novela, como
quase todas, tem uma história
de amor: Joorabchian passou
pelo Brasil e levou para Londres a morena Tatiana, com
quem se casou no dia da Pátria
(a nossa...) em rica cerimônia.
E mais não se sabe desta novela porque, estranhamente,
quando a PF avançava em suas
investigações e se preparava
para os capítulos finais da Operação Perestroika, eis que o Ministério Público Federal apresentou denúncia à Justiça, o
que abortou novas abordagens.
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