São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002

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FUTEBOL

Diversão, arte e muito mais

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Se a gente mudar o futebol, a gente muda o Brasil."
Quem disse isso foi o secretário-executivo do Ministério do Esporte, José Luiz Portella, no debate especial promovido terça passada pela ESPN Brasil, do qual tive o privilégio de participar. Para muita gente, a frase de Portella pode ter soado absurda ou, no mínimo, exagerada. Mas quem compreende, ou ao menos intui, o sentido que o futebol assume em nosso país sabe que ele tem razão.
Não só o futebol, dentro do campo, é uma forma de teatralização das relações sociais, conforme já demonstrou o antropólogo Roberto Da Mata, como também seus bastidores concentram o que há de mais arraigado em nossa política, em nossa cultura e em nossa formação social.
Estão ali todos os vícios (o clientelismo, a corrupção, os conchavos pelo alto, a truculência dos mais fortes, o servilismo dos mais fracos, a falta de transparência, o abuso do poder econômico) que atravancam há séculos nosso caminho rumo a uma sociedade mais justa e democrática.
Nesse contexto, as conquistas óbvias e básicas que Portella tenta implantar -como a transparência das contas dos clubes e federações, com a devida responsabilização dos dirigentes por eventuais irregularidades- equivalem a uma autêntica revolução.
"Se a gente mudar o futebol, a gente muda o Brasil." A frase continua ecoando na minha cabeça, como um mantra.
Ao ver seu clube, que é sua segunda pátria (quando não a primeira), ser usado inescrupulosamente para fins escusos, o torcedor perde a confiança nas leis, o respeito pelas instituições, a fé no futuro. Ao ser maltratado quando tenta chegar a um estádio, quando se aperta para comprar um ingresso, quando busca em vão um assento ou um banheiro, o cidadão descrê da cidadania e vê a democracia como uma miragem distante. Quanto mais turvo estiver esse espelho do país, mais triunfará o espírito do "salve-se quem puder", do "cada um por si e Deus contra".
Nestes tempos de mudanças anunciadas, a prioridade é acabar com a fome -ou com a "subnutrição", que é o eufemismo em voga. De acordo, claro. Sem comer, nem uma ameba sobrevive.
Mas o homem não é uma ameba, embora alguns homens possam ter o quociente de inteligência e/ou a dimensão moral de uma. Como diziam os Titãs, a gente não quer só comida. Quer comida, diversão e arte. Por uma razão simples: sem essas coisas a gente não é gente.
No Brasil, o futebol é diversão, arte e muito mais. É nossa auto-imagem, nosso projeto sempre em construção, nossa utopia de um país de festa, beleza, harmonia e afirmação.
Um escritor (talvez Tchekov) disse certa vez que a grande arte mostra o mundo como ele é e, ao mesmo tempo, como deveria ser.
Vi jogos de futebol assim, acreditem.
"Se a gente mudar o futebol, a gente muda o Brasil."
Talvez fosse mais exato dizer: "Para mudar o Brasil, precisamos mudar o futebol".
Não uma coisa depois da outra, mas as duas juntas.

Revendo o debate da ESPN Brasil, constatei que cometi um "flagrorosamente", quando queria dizer "fragorosamente", claro. Um erro fragoroso, pelo qual peço desculpas.

Descanso tenso
A bela vitória do Palmeiras sobre o Fluminense dá novo alento ao time e muda todos os prognósticos com relação a suas chances de escapar do rebaixamento. Uma coisa são os números (que continuam críticos), outra é o estado de ânimo da equipe. Mas o Palmeiras teve, semanas atrás, outros ameaços de recuperação, logo abortados. Neste fim de semana, o time descansa -se é que é possível descansar vendo os rivais jogarem e, possivelmente, conquistarem pontos. Convém não fazer previsão nenhuma.

Serginho
A notícia triste do dia, ao menos para mim, é a decisão do lateral Serginho de não jogar mais pela seleção. Ele foi convocado 22 vezes (incluindo a atual) e jogou dez vezes. Foi, a meu ver, subaproveitado. Tinha (e tem) qualidade até para ser titular. Pena. Quem perde é o futebol brasileiro.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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