São Paulo, quinta-feira, 10 de junho de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

Vozes d'África


Pelo que se vê em Johannesburgo, o apartheid ainda não acabou. A vida só ocorre em lugares fechados


EMBORA TENHA vivido apenas 27 anos, Castro Alves deixou obra forte e madura, em que muitas vezes se dirige a Deus, questionando-o sobre o destino dos africanos, tirados à força de sua terra para virarem escravos.
Quando se chega à África do Sul, de tão triste memória (refiro-me ao apartheid), é inevitável relacionar os intermináveis efeitos da escravidão no Brasil ("A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil", diz Joaquim Nabuco) com o que se vê em Johannesburgo.
Pelo que se vê por aqui, o apartheid não acabou. Estamos instalados no "melhor bairro" da cidade (Sandton), e o que se vê é uma sucessão de condomínios e shoppings murados, isolados, escondidos. Gente na rua? Não; só nos shoppings e nos carros.
A vida aqui só ocorre em lugares fechados, que, por ironia, fecham cedo. Nos restaurantes, os clientes são brancos; os garçons, negros. Ganham mal, assim como os empregados da construção civil etc. A vida dos pobres melhorou nos últimos anos, é fato, mas também é fato que a África do Sul ostenta a segunda pior distribuição de renda do planeta.
Oficialmente, o apartheid acabou em 1994, mas a maior cidade do país ainda não tem transporte público decente, o que é herança do tempo em que os negros não podiam chegar às áreas "nobres" das cidades. Os pobres andam em vans precárias e lotadas, guiadas por irresponsáveis (que lembram os colegas brasileiros...). Os brancos e os poucos negros "emergentes" andam em carros de primeiríssima.
Mas Johannesburgo tem lá seus encantos: a história, a arquitetura e, sobretudo, a gastronomia. Eta lugar bom pra comer, meu Deus!
Outro encanto é o Soccer City, lindo. Com a alegria de um menino, tive o prazer de descer à beira do gramado, exuberante, verde, verdinho.
À tarde, fui ver o forte treino da Itália. Diferentemente do que ocorre na base da CBF, na da "Azzurra" fomos bem tratados, com direito a pizza legítima, água mineral e espumante italianos.
Terminada a maratona, fui para o nosso escritório, em Johannesburgo, o que me trouxe de volta à realidade: estradões bem pavimentados, trânsito pesado, carros de primeira e... E cadê o povo? Cadê as pessoas? Nos carros, nos shoppings (os brancos), e os pobres, em seus guetos, distantes, bem distantes, tão distantes que ainda não os vi. É isso.

inculta@uol.com.br


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