|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
XICO SÁ
Vai, filho, ser zagueiro na vida
A sorte nossa é que sempre aparece um abusado que vem lá da mais erma das várzeas, caso contrário...
AMIGO TORCEDOR , amigo secador, as velhas convicções estão indo para o Cajamar da
existência, digo, para a cratera moral
dos clichês, para o cemitério das frases feitas, para o buraco do metrô, linha Pinheiros. Foi-se o tempo do
"quem não faz leva", foi-se o tempo
da "melhor defesa é o ataque", está
tudo de cabeça para baixo, errata urgente, cesse tudo que a musa ludopédica antiga canta.
Está aí o São Paulo para mostrar,
com Muricy Ramalho no papel de
um aplicadíssimo Conselheiro Acácio, que a melhor defesa é uma boa
defesa mesmo. Garçom, passa a régua dos pontos corridos e traz a conta. Estão certos os tricolores que já
começaram a comemorar o título,
certíssimos, este é de vocês e ninguém tira, diz aqui o corvo Edgar, o
mais fatalista dos botafoguenses.
Sim, a moral da guerra é essa: um
golzinho perdido todo mundo acha,
até o lanterna quando apanha de
cinco, pois o gol de honra é um direito de nascença, está escrito nas tábuas de Hamurabi, de Moisés e até
de Lazaroni nos seus piores momentos. É igual àquele mesmo direito inalienável dos homens feios: pelo menos uma vez na vida irão à cama com uma deusa.
Então, recapitulando, basta não
tomar nenhum e ganhar com aquele
golzinho que até o Íbis tem direito.
Para completar, o tricolor paulista
tem três zagueiros que jogam o fino,
e não deixa de ser interessante que o
país dos atacantes e dos meias que
entravam com bola e tudo passe a
ser a pátria dos beques de luxo.
No meu tempo de dente-de-leite
era difícil achar um garoto disposto
a atuar na zaga. Todo mundo queria
ser do camisa 8 para a frente. Era raro um zagueiro que sabia cortar e
sair jogando com classe, sobrava um
ou outro Mozer ou Leandro do melhor Flamengo de todos os tempos.
Ainda não temos tantos, mas estamos a caminho da fartura, não há
quem duvide de que vivemos o primeiro Brasileirão cujas defesas são
as vanguardas absolutas, as cozinhas viraram as salas de visitas, o esquema com três beques deixou de
ser uma covardia e passou a ser a regra do novo catecismo.
O moleque da escolinha ou do
bairro já não tem vergonha de dizer:
"Pai, eu quero ser zagueiro". Era vergonhoso defender com classe, zagueiro nato era aquele cara que não
sabia trocar uma idéia com a maricota, espezinhava a musa esférica
como um raivoso sadomasoquista
que bate na escrava. Não é à toa que
o Vitória, no lado B do Brasileiro,
cria o treinador de zagueiros.
Na falta de Robinhos, o defensivismo tende mesmo a se consolidar na
pátria que inventou o mais refinado
jazz ludopédico do mundo.
É, amigo, tempos recuados, guardados, sintoma do 0 a 0 que toma
conta do mundo em todas as áreas.
A sorte nossa é que sempre aparece um maluco, um abusado que vem
lá da mais erma das várzeas, e na primeira reinvenção da pedalada põe o
mais virtuoso zagueiro a andar para
trás como um caranguejo.
Não queria um filho meu, velho
Brás Cubas, nessa situação, sempre
na defesa, lutando por um meio a zero, só para garantir as batatas mínimas da existência. Talvez por isso
me recuse inconscientemente a deixar o legado da nossa miséria.
Feliz Dia dos Pais, principalmente
aos pais dos zagueiros e goleiros!
xico.folha@uol.com.br
Texto Anterior: Fábio Seixas: Uma F-1 que desaprendeu a ouvir Próximo Texto: São Paulo, em 17 jogos, iguala trajetória do tetra Índice
|