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Arqueólogos da bola resgatam o futebol incógnito
Grupo percorre o Brasil em busca de equipes que vivem
distante dos holofotes; relatos revelam folclore e descaso
"Jogos Perdidos", nome do
projeto, leva clubes para a
internet e alerta para
problemas de estrutura
no país pentacampeão
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Orlando Lacanna notou algo
estranho no gramado. O vendedor que o atendera minutos antes, quando havia comprado
um saco de pipoca, envergava
agora a camisa 11 do Jacareí.
Intrigado, abordou o rapaz
no final do jogo -um duelo oficial, contra o Paulistano de
Jundiaí, válido pela 3ª divisão
do Estadual -, em busca de explicações. "Descobri que a equipe não tinha 11 atletas no elenco. Para evitar uma derrota por
W.O., convocaram o pipoqueiro. Ele aceitou na hora."
O episódio é um dos preferidos, mas não o único que Lacanna guardou das andanças
que começaram em 1967. Seu
objetivo era buscar partidas esquecidas, acompanhar times de
divisões inferiores que não recebiam a atenção da mídia.
Só não esperava encontrar
tantos excêntricos que compartilhavam a mesma paixão.
Hoje, quase 40 anos após iniciar suas peregrinações, Lacanna é o patriarca de um grupo
que vasculha os subterrâneos
do futebol, resgata equipes que
desapareceram dos holofotes e
relata o cotidiano de jogadores
que vivem bem longe do glamour das divisões de elite.
"Jogos Perdidos" é o nome do
projeto e do site que o grupo
criou para divulgar o trabalho.
Na internet desde 2004, recebe
em média 500 visitantes por
dia. "Somos os responsáveis pela primeira aparição de diversas equipes, atletas e até juízes
em um meio de comunicação.
São clubes e pessoas tão marginalizadas que muitos nem
acreditam que estão sendo seguidos e fotografados", explica
o engenheiro Jurandyr Júnior.
As fotos, aliás, são um diferencial. Para resgatar um tempo que batizam de "romântico"
da crônica esportiva, os integrantes publicam imagens de
todos os times posados, bem
como dos capitães ao lado do
trio de arbitragem. "É igualzinho aos jornais das décadas de
60 e 70. Hoje, você só vê uma
fotografia do seu time assim,
metade em pé, metade agachado, quando ele consegue ganhar um título. E os que a gente
vê estão bem longe de atingir
tal feito", descreve Júnior.
Ninguém ali é profissional. A
trupe dos "Jogos Perdidos"
concilia a rotina dos trabalhos
(há de taxistas a administradores de empresas) com viagens
de carro, ônibus ou avião em
busca de confrontos exóticos.
Às vezes, correm riscos.
"Certa vez, fui assistir ao XV
de Campo Bom, no Rio Grande
do Sul. O pessoal lá não estava
habituado a receber desconhecidos. Acharam que eu era empresário, que estava ali para
roubar jogadores. Quase apanhei", rememora Júnior.
Os mais devotos chegam a
acompanhar cerca de 220 jogos
por ano -média de quatro por
semana. A única regra é seguir
apenas duelos oficiais, organizados por federações estaduais
ou pelos dirigentes da CBF.
Mesmo assim, muitas partidas não saem do papel. Emerson Ortunho, por exemplo, rumou nesta temporada para o
Rio. Queria acompanhar Ceries
x Esprof, válido pela segunda
divisão do Estadual sub-20.
O time visitante veio de Arraial do Cabo. Cumpriu 160 km
de viagem. Quem faltou, contudo, foi o elenco da casa. "Procuramos o presidente para explicar o caso. Ele disse que simplesmente se esqueceu da partida. Quando lembrou, já era
tarde para buscar o elenco. Então, desistiu", afirma Ortunho.
O repertório de causos inusitados não pára por aí. Existem
relatos de ataques de marimbondos que inviabilizaram jogos e até a participação de um
membro dos "Jogos Perdidos"
em partida da terceira divisão
de São Paulo -acabou escalado
pelo árbitro para substituir um
bandeirinha contundido.
Além de rechear o anedotário da bola, os integrantes querem chamar a atenção para a
realidade de clubes que já foram celeiros de talentos e hoje
vivem tempos bicudos.
"Até uns 10, 20 anos atrás, times pequenos tinham muito
mais identificação com as cidades, com os bairros. Eram queridos, tinham torcidas. Mas os
Estaduais perderam força, e a
maioria virou uma simples vitrine para empresários exibirem suas peças", diz Lacanna.
Assim, além de produzir os
relatos disponíveis no site
(http://jogosperdidos.zip.net), o grupo começou a compilar as melhores histórias em
um livro e estuda a criação de
um programa de rádio que será
vinculado na internet.
O objetivo, de acordo com
Lacanna, é evitar que o descaso
risque times e torneios do mapa. "Já acompanhei partidas
nas quais havia só o nosso pessoal no estádio. Nem as famílias
dos jogadores apareceram."
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