São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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TOSTÃO

Memória e lembrança


No futebol, prefiro uma mistura do que foi exibido no Mundial com o que vejo no Campeonato Brasileiro
APÓS ASSISTIR à Copa do Mundo da Alemanha e retornar à rotina do Campeonato Brasileiro, achei estranho.
Parecia um outro esporte, menos técnico, porém muito mais vibrante, veloz e também mais violento.
No Mundial, além da baixa qualidade para uma competição com os melhores jogadores do mundo, as partidas foram extremamente técnicas, táticas, estudadas, contidas e previsíveis. Os atletas quase não saíam de suas posições e funções. Tudo sem riscos, calculado, certinho e frio. Só não foi mais chato porque era uma Copa do Mundo.
Foi a Copa dos passes, um fundamento essencialmente técnico e coletivo. Os jogadores pouco driblavam, um fundamento de habilidade, de inventividade e de ousadia.
Tive no Mundial a sensação de que o futebol está caminhando para ser um esporte como o vôlei, essencialmente científico, em que todas as jogadas são pensadas, treinadas e repetidas.
Mesmo jogadores mais inventivos e fantasistas, como Ronaldinho Gaúcho, praticaram na Copa da Alemanha um futebol burocrático.
Zidane foi exceção.
Durante a partida da França contra o Brasil, sempre que Zidane pegava na bola e fazia uma lindíssima jogada, o companheiro Clóvis Rossi, admirado, exclamava: "Isso não existe".
O futebol de Zidane foi realmente de outro mundo.
Além do estilo excessivamente técnico e pragmático, que empobrece o futebol, um esporte que sempre foi rico pela improvisação, habilidade e criatividade, havia na Copa do Mundo uma grande preocupação tática de recuar os jogadores, fechar os espaços na defesa para depois contra-atacar. Tudo com extrema segurança.
Todos seguiam a máxima de Carlos Alberto Parreira, o treinador da seleção brasileira, de que o mais importante em uma Copa é não sofrer o primeiro gol.
Já o futebol que se joga hoje no Brasil, em parte pela pouca qualidade técnica dos jogadores, é menos técnico, porém muito mais disputado, emocionante, veloz. E também mais faltoso e violento.
Os treinadores contribuem para isso com os seus gritos, as suas reclamações e, algumas vezes, com o seu desrespeito aos árbitros e auxiliares. O jogo ficou tumultuado.
Prefiro uma mistura dos dois estilos. Gosto de equipes organizadas taticamente, técnicas, mas que sejam também ousadas, vibrantes e que não deixem o adversário jogar, sem "faltas táticas" e violentas.
Quando o time recupera a bola, é necessário unir a velocidade com a lucidez, o coletivo com o individual, o entusiasmo com o talento, a emoção com a razão.
Quando elogio o Barcelona, não significa que a equipe catalã está no nível dos grandes da história. Mas é o único time atual que tenta jogar um futebol bonito, ousado, organizado e eficiente.
Por arriscar mais, às vezes o Barcelona sofre goleadas. Sem comparar, o mesmo acontecia com o Santos de Pelé, a melhor equipe que vi atuar, como na goleada sofrida para o Cruzeiro por 6 a 2 na decisão da Taça Brasil de 1966.
O Cruzeiro, que tinha um estilo parecido com o do Santos e do Barcelona, levou uma goleada em 1968 de 5 a 1 para o Flamengo, que era na época bastante inferior.
Tempos antes, o Cruzeiro tinha goleado o mesmo Flamengo pelo placar de 6 a 2.
Assistir a uma partida bonita e vibrante é encontrar o futebol que sempre desejei.
Todo encontro é um reencontro com algo que perdemos, ou que sonhamos, ou que está na nossa imaginação ou na nossa memória, sem necessariamente estar presente na nossa lembrança.

tostao.folha@uol.com.br


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