São Paulo, sábado, 10 de outubro de 1998

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JUCA KFOURI
Apesar de você

Corria o ano de 1956 e eu, menino de seis anos, convalescia de uma doença razoavelmente grave em Ilhéus, na Bahia, hospedado na casa de meu saudoso tio Pacheco.
O Fluminense jogaria ali perto, em Itabuna, num domingo, e ele prometeu me levar se eu estivesse bem.
Quase sarei de excitação, mas a danada da febre voltou justamente na sexta-feira anterior. E o tio Pacheco foi franco ao dizer que o plano estava cancelado.
Então, diante de minha decepção, ele me prometeu uma surpresa para a manhã do mesmo domingo do jogo.
E que surpresa!
Sou acordado no domingo com a notícia de que a surpresa me esperava na sala.
E lá estavam o goleiro Castilho, Telê Santana, Pinheiro, Escurinho, enfim, a delegação do Fluminense!
Todos muito carinhosos, me puseram no colo, me deram autógrafos, me desejaram sorte e prometeram que ganhariam o amistoso em minha homenagem.
Quase 30 anos depois, ao receber Castilho e Telê num programa de TV, perguntei se eles se lembravam de ter visitado um garoto doente numa excursão do Flu à Bahia.
Castilho nem titubeou ao dizer que não só se recordava como tinha muita curiosidade em saber que fim tinha levado aquele menino, que parecia muito mal de saúde e que, pensava ele, "acho que não sobreviveu".
Ao saber que o menino era eu ficou tão comovido que quase chorou e a entrevista se transformou numa festa, além de motivo permanente para Telê me gozar, ameaçando maliciosamente tornar público que eu já tinha sentado no colo dele.
Tudo isso voltou na noite da última terça-feira com o rebaixamento do Flu à terceira divisão, um golpe terrível para quem aprendeu a amá-lo assim, de maneira tão extraordinária.
A dor que primeiro dói para depois virar indignação (que será devidamente extravasada aqui na coluna de amanhã) é profunda.
E além de Castilho, de Telê, de Rivellino, de Branco, a queda me faz lembrar de Nelson Rodrigues, que morre pela terceira vez, como o Flu, que desaparece lenta e gradualmente, apesar de ser o clube mais vezes campeão carioca, apesar de ser campeão brasileiro, apesar...apesar de você, como diria Chico Buarque, cartola bandido, assassino dos sonhos das crianças tricolores e até de uma inesquecível manhã de um adulto corintiano.



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