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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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FUTEBOL

O teatro dos treinadores

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

E nquanto na Europa os treinadores ficam sentados ou em pé, ao lado do banco de reservas, discretos, às vezes dão instruções e voltam, como manda a regra, a maioria dos técnicos brasileiros segue junto ao gramado, gritando com atletas, reclamando do árbitro e auxiliares e tendo um comportamento teatral.
Alguns gritam os 90 minutos perto dos microfones (a solução é desligar o som da TV) e chegam até a jogar a bola no adversário, como fez Antônio Lopes no jogo Vasco x Fluminense. Felizmente diminuíram bastante as brigas e agressões físicas e morais dos técnicos aos árbitros e auxiliares.
Parte da torcida, a mais agressiva, não aceita treinadores que ficam calados, observando com atenção o jogo. Parreira foi exceção no Corinthians. Os torcedores acham que técnico tem de gritar, gesticular, para motivar o time. No São Paulo, a falta de vibração era a principal reclamação contra Oswaldo de Oliveira. Bobagem! Técnico que não pára de gritar não vê os detalhes da partida.
Muitos treinadores, para exteriorizar as emoções, os desejos exibicionistas reprimidos e para atender aos torcedores, adotam um comportamento agressivo e teatral. Um jogo de futebol é um teatro, mas os artistas estão no gramado, não do lado de fora.
O ambiente agressivo fora dos estádios, nas arquibancadas e perto gramado, é transmitido aos atletas. Por esse e outros motivos há muitas violência e um absurdo número de faltas, 50 a 60 por jogo, a maior média do mundo. As frequentes expulsões e suspensões prejudicam bastante os times.
Os jogadores não entendem os gritos e gestos dos treinadores. Não são apenas os comentaristas que falam isso. Mário Sérgio, ex-jogador e técnico do São Caetano, disse a mesma coisa à Soninha, no programa "Bate Bola" da ESPN Brasil. Instruções dos técnicos são muito importantes nos momentos em que o jogo pára.
A importância do treinador é muito maior nos treinos. As suas condutas na partida são mal avaliadas. Substituições erradas são elogiadas se o time vencer e vice-versa. Há dezenas de fatores envolvidos na história de um jogo.
Só no intervalo e com a ajuda do auxiliar que fica lá em cima, de onde se vê melhor, o técnico poderá influenciar no placar. Mas não acredito que os técnicos mudem suas condutas por causa de opiniões diferentes dos auxiliares. Os treinadores são autoconfiantes. Auxiliares não gostam também de discordar do chefe.
Além disso, profissionais de todas as áreas, incluindo médicos (por experiência e observação) e técnicos, mesmo os mais estudiosos e competentes, não agem com base só em conhecimentos teóricos, científicos e em boas observações. Seguem com frequência suas intuições e emoções. Isso pode ser bom ou ruim. Daí, a moda de se falar em inteligência emocional.
No jogo, técnicos como o Felipão têm condutas inexplicáveis e surpreendentes -que costumam dar certo. Scolari é muito mais intuitivo e emocional do que racional. Parreira, ao contrário, é muito mais científico e lógico. Tudo é planejado. Os estilos são opostos, complementares e eficientes.
Apesar das deficiências e comportamentos não desejáveis, os técnicos brasileiros são mais criativos e melhores do que os europeus. Mais do que isso, o Brasil, país de Terceiro Mundo, tem estrutura profissional de apoio aos jogadores, com médicos, fisioterapeutas, preparadores físicos e outros, mais desenvolvida e/ou mais valorizada do que a da Europa.
Comentaristas de futebol, me incluindo, não assistem aos treinos, com exceção de épocas especiais, como numa Copa. Se já é difícil ver tantos jogos, do Brasil e do exterior, imagine os treinos.
Por isso, alguns dos nossos elogios e críticas aos treinadores são incorretos, injustos ou supervalorizados. Não sabemos nos detalhes intenções, planos e o que foi feito durante os treinos. Confiamos nos nossos conhecimentos teóricos, nas deduções, observações e nas matérias dos repórteres. Os treinadores também não informam. Adoram mistérios.
Os técnicos deveriam responder as críticas e as perguntas dos repórteres com bons argumentos, explicações técnicas, informações. Não com mau humor, respostas evasivas e olhares de prepotência. Têm a obrigação de explicar e informar ao público. Isso melhoraria também a qualidade das críticas e análises dos comentaristas.
Técnicos, torcedores, dirigentes, atletas e imprensa precisam evoluir para que o futebol se torne mais prazeroso, organizado, bem-humorado e menos violento.
E-mail tostao.folha@uol.com.br


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