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Jogo acirra ressentimento de angolanos, que querem vingar discriminação
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Diplomáticos, eles tentam
disfarçar, mas não conseguem. "Eu não gosto mesmo
de Portugal", diz Agostinho
Antônio Vieira, 18. "É que os
portugueses não nos tratam
de forma condigna. Isso aumenta o ressentimento", fala
Boaventura Gonçalves, 36.
Estrear nas Copas justo
contra Portugal, que colonizou o país por quatro séculos
e de quem Angola se tornou
independente após 14 anos de
guerra, em 1975, mexe com os
brios dos angolanos, mesmo
daqueles que vivem no Brasil.
"Morei em Portugal e vi o
preconceito que existe lá. Se
um africano se levanta de um
ônibus para um idoso português se sentar, ele viaja de pé,
mas não se senta naquele lugar", diz Leonel Martins, 29,
estudante de jornalismo.
Editor do "Folha de Angola" -jornal com cerca de
2.000 exemplares, que é distribuído para a comunidade
angolana no Rio-, Martins
mora no complexo da Maré
(zona norte), forte reduto de
angolanos, assim como o
bairro de Fátima (centro). Só
nesta semana chegaram 15
imigrantes ao bairro. "No clima, na comida, no jeito de ser,
o Brasil é parecido com Angola. Estamos em casa. Estudar
aqui nos abrirá possibilidades
ao voltarmos ao nosso país."
Abrir possibilidades é o que
espera que sua seleção consiga na Copa. Acha que os atletas e o futebol do país possam
ser valorizados. Mas bater
Portugal, por maior que seja o
desejo de vingança, é algo que
ninguém acredita. "Após o
terceiro jogo, quando Angola
voltar para casa e nos recuperarmos da ressaca, torceremos para o Brasil", diz Gonçalves, que estuda direito.
O escritor José Eduardo
Agualusa, 45, angolano que já
morou no Brasil e em Portugal, é mais otimista. "Talvez
este jogo, sobretudo se Angola vencer Portugal, sirva para
chamar a atenção para outros
aspectos do meu país", diz o
autor de "Nação Crioula".
Prevê um jogo duro: "Os angolanos conhecem bem os
portugueses e vice-versa".
Um dos maiores africanólogos do país, o diplomata Alberto da Costa e Silva, da Academia Brasileira de Letras,
diz que cerca de 40% dos escravos traficados para o Brasil entre os séculos 16 e 19
-mais de 1 milhão de pessoas- eram de Angola.
"Portugal teve função mais
forte naquilo que eu chamo
de fórum, a rua, a organização
da vida brasileira. Mas Angola
entrou na casa: na maneira de
comer, estar, viver, na nossa
intimidade", diz o autor de "A
Manilha e o Libambo", lembrando que vem do quimbundo, a língua de Angola, muitas
palavras que usamos, como
zanga, tanga, cafuné e caçula.
Já os portugueses são firmes na diplomacia e dizem
que Angola é "país amigo".
Juca Ribeiro veio para o
Rio há 48 de seus 66 anos para
não ter de se alistar no Exército e lutar contra os angolanos. Hoje, é proprietário de
sete bares, entre eles a Adega
do Juca. "Sou Portugal, mas o
coração ficará dividido se
houver jogo com o Brasil", diz
ele, que decora de verde-amarelo a rua Paissandu.
Há também muitos clubes
lusitanos no Rio. Na Casa do
Minho, na zona sul, a maioria
é brasileira. "Mais 15 anos e
acabam os portugueses aqui.
Não compensa mais vir", diz
Casemiro Coelho, 61, que é
diretor da Casa do Minho, onde verá o jogo com patrícios.
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