São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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Jogo acirra ressentimento de angolanos, que querem vingar discriminação

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Diplomáticos, eles tentam disfarçar, mas não conseguem. "Eu não gosto mesmo de Portugal", diz Agostinho Antônio Vieira, 18. "É que os portugueses não nos tratam de forma condigna. Isso aumenta o ressentimento", fala Boaventura Gonçalves, 36.
Estrear nas Copas justo contra Portugal, que colonizou o país por quatro séculos e de quem Angola se tornou independente após 14 anos de guerra, em 1975, mexe com os brios dos angolanos, mesmo daqueles que vivem no Brasil.
"Morei em Portugal e vi o preconceito que existe lá. Se um africano se levanta de um ônibus para um idoso português se sentar, ele viaja de pé, mas não se senta naquele lugar", diz Leonel Martins, 29, estudante de jornalismo.
Editor do "Folha de Angola" -jornal com cerca de 2.000 exemplares, que é distribuído para a comunidade angolana no Rio-, Martins mora no complexo da Maré (zona norte), forte reduto de angolanos, assim como o bairro de Fátima (centro). Só nesta semana chegaram 15 imigrantes ao bairro. "No clima, na comida, no jeito de ser, o Brasil é parecido com Angola. Estamos em casa. Estudar aqui nos abrirá possibilidades ao voltarmos ao nosso país."
Abrir possibilidades é o que espera que sua seleção consiga na Copa. Acha que os atletas e o futebol do país possam ser valorizados. Mas bater Portugal, por maior que seja o desejo de vingança, é algo que ninguém acredita. "Após o terceiro jogo, quando Angola voltar para casa e nos recuperarmos da ressaca, torceremos para o Brasil", diz Gonçalves, que estuda direito.
O escritor José Eduardo Agualusa, 45, angolano que já morou no Brasil e em Portugal, é mais otimista. "Talvez este jogo, sobretudo se Angola vencer Portugal, sirva para chamar a atenção para outros aspectos do meu país", diz o autor de "Nação Crioula". Prevê um jogo duro: "Os angolanos conhecem bem os portugueses e vice-versa".
Um dos maiores africanólogos do país, o diplomata Alberto da Costa e Silva, da Academia Brasileira de Letras, diz que cerca de 40% dos escravos traficados para o Brasil entre os séculos 16 e 19 -mais de 1 milhão de pessoas- eram de Angola.
"Portugal teve função mais forte naquilo que eu chamo de fórum, a rua, a organização da vida brasileira. Mas Angola entrou na casa: na maneira de comer, estar, viver, na nossa intimidade", diz o autor de "A Manilha e o Libambo", lembrando que vem do quimbundo, a língua de Angola, muitas palavras que usamos, como zanga, tanga, cafuné e caçula.
Já os portugueses são firmes na diplomacia e dizem que Angola é "país amigo".
Juca Ribeiro veio para o Rio há 48 de seus 66 anos para não ter de se alistar no Exército e lutar contra os angolanos. Hoje, é proprietário de sete bares, entre eles a Adega do Juca. "Sou Portugal, mas o coração ficará dividido se houver jogo com o Brasil", diz ele, que decora de verde-amarelo a rua Paissandu.
Há também muitos clubes lusitanos no Rio. Na Casa do Minho, na zona sul, a maioria é brasileira. "Mais 15 anos e acabam os portugueses aqui. Não compensa mais vir", diz Casemiro Coelho, 61, que é diretor da Casa do Minho, onde verá o jogo com patrícios.


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