São Paulo, sexta-feira, 11 de junho de 2010

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Família em crise

Brigados fora de campo, os irmãos Boateng estarão em lados opostos no jogo entre Gana e Alemanha

RENAN CACIOLI
DE SÃO PAULO

Se não fosse pelo mesmo sobrenome, Boateng, o zagueiro Jérôme e atacante Kevin-Prince provavelmente não teriam mais nada em comum. A relação entre os meios-irmãos, que defenderão seleções diferentes na Copa, chegou ao limite ontem.
"Kevin me disse: "Cada um tem sua família, você tem a sua, e eu, a minha". Isso é demais, não quero ter contato com ele", afirmou Jérôme, 21, defensor da Alemanha.
Kevin, 23, que já causara polêmica em Berlim quando decidiu defender Gana no Mundial após passagens pelas seleções de base alemãs, virou inimigo público do país no dia 15 de maio deste ano.
Na final da Copa da Inglaterra, o atacante do Portsmouth atingiu o tornozelo direito do meia Michael Ballack, do Chelsea. O astro da seleção dava adeus ao sonho de disputar a Copa da África.
O Boateng mais velho pediu perdão, mas esperava contar com o reforço das palavras do mais novo, figura presente nas convocações do técnico Joachim Löw desde outubro do ano passado.
"Kevin acha que eu não deveria ter dito que sua falta [em Ballack] merecia um cartão vermelho", disse Jérôme.
A separação doméstica, aparentemente motivada só pela discórdia esportiva, tem raízes bem mais profundas.
Filhos do mesmo pai, Prince, que deixou Gana em 1981 para tentar a vida na Europa, foram criados pelas respectivas mães em bairros distintos de Berlim, onde nasceram.
Nas mãos de Martina, uma aeromoça da Lufthansa, Jérôme tornou-se um jovem tímido, e, depois, um profissional disciplinado. Não bebe nem fuma. Sempre teve como meta chegar à seleção.
"Nunca pensei em jogar por Gana. Não faz nenhum sentido. A Alemanha é a minha casa", afirmou, certa vez, a um jornal local.
Já Kevin cresceu em Wedding, bairro pobre da cidade onde estrangeiros representam um terço dos moradores e mais de 15 mil delitos são registrados por ano. A mãe, Christine, hoje uma enfermeira geriátrica, cuidou dele e de mais quatro crianças.
Rebelde, porém extremamente habilidoso, o atacante passou por todas as categorias de base da seleção.
Antes do Europeu sub-21, em 2009, porém, foi cortado, enquanto o irmão, Jérôme, continuou no grupo que conquistaria o campeonato pela primeira vez na história.
Dizem que atrasos constantes de Kevin culminaram na dispensa e que, em virtude disso, ele aceitou o convite ganense. "Tenho orgulho de ser africano", disse.
Apesar das diferenças, os dois atletas conviveram durante infância e adolescência até chegarem às categorias de base do Hertha Berlin.
Agora separados, terão de se reencontrar no dia 23, quando Gana e Alemanha duelarão na última rodada do Grupo D, que conta ainda com Austrália e Sérvia.
Depois, podem voltar a ser rivais, já que Jérôme trocou recentemente o Hamburgo pelo Manchester City.
Assim, a história globalizada de dois alemães-ganenses que resolveram defender bandeiras diferentes na África prosseguirá na Inglaterra.


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